O Andejo Vadio: Novo mês, novo país.
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Novo mês, novo país.

Pessoal, sentem-se e apertem os cintos que acredito que hoje esteja por vir um longo texto.

Pra começar não estou em Buenos Aires, diferente do que acreditava, o par de dias que se seguiu a minha postagem não me levou à cidade portenha, diga-se de passagem, o dia seguinte à postagem praticamente não me levou a lugar nenhum. Uma carona de 15km me levou até um super mercado a beira da rodovia, onde eu, feliz e contente por ter 300 pesos (30 reais) e apenas mais dois dias no Uruguai, gastei 170 pesos no mercado com uma bela refeição, superando assim minha média prevista de 100 pesos por dia. Porém a vida de um mochileiro não pode ser fácil, ficando isso provado pelas 6 horas seguintes de espera no acostamento de uma das tantas rodovias uruguaias. Por sorte, já muito perto de anoitecer subi em uma caçamba que me levou mais uns 30km em direção ao meu destino, até uma cidade de nome San Jacinto. Caminhei um pouco pela beira da estrada e fui agraciado por um lugar magnífico para acampar: Um pequeno clube abandonado no qual eu pude armar a barraca protegida por uma cobertura e num chão de cimento.

Um novo dia começou e por sorte minha sorte se renovou. Sem muita espera, a primeira carona do dia me levou de San Jacinto a Canelones. Atravessei a cidade a pé e o primeiro fato extra ordinário aconteceu. Peguei carona com um sujeito que não recordo o nome no momento, mas que jogando conversa fora enquanto me levava até Santa Lucia descobri que havia estado a pouco no mesmo navio que meus pais se encontram agora fazendo um cruzeiro até a Europa, fazendo ele um cruzeiro com escalas em Montevidéo, Santos e Buenos Aires. Não entendo muito de cruzeiros, mas para mim foi uma coincidência e tanto. Outro fato curioso é que chegamos em Santa Lucia momentos antes de a 67° Volta Ciclistica do Uruguai passar pela cidade, ou seja, atravessei a pequena cidade a pé tendo que desviar dos poucos mil habitantes que provavelmente estavam todos na rua, tudo por segundos, afinal os ciclistas estavam muito próximos um do outro e passaram muito rapidamente pelo lugar.

A minha próxima carona foi praticamente um assalto. Um senhor chamado Juan Carlos parou sua caminhonete para olhar um problema no pneu, porém perto demais de mim que corri e o abordei, e acredito que ficou sem graça de me recusar a carona. Mas foi ainda melhor do que um longo trecho percorrido. Este senhor, além de fazendeiro criador de gado, era também deputado e conversamos longamente sobre política, sobre as realidades de Brasil e Uruguai, sobre meus objetivos na viagem e sobre outras coisas mais. Enfim chegamos ao destino, San José de Mayo, onde fiz um tour guiado por ele mesmo pela linda cidadezinha uruguaia. Ao descer do carro, já na saída da cidade onde se dispôs a me levar, me deu seu cartão me alertando que o ligasse caso precisasse de algo e tirou 200 pesos da carteira e me deu. Novamente relutei, porém devido a sua insistência e a minha necessidade, aceitei aliviado. Com parte desse dinheiro eu almocei assistindo à chegada da prova de ciclismo em Montevidéo ao vivo e em seguida peguei carona com um moleque num Chevette todo modificado, de dar inveja a muito carro de luxo, até um trevo mais a frente, onde poderia pedir carona somente aos carros que teriam destino próximo ao meu. Seguiu-se a isso a carona mais confusa que eu já peguei. Um radialista de uma pequena cidade parou e disse que me deixaria 25km a frente de onde estava e prontamente aceitei, porém ele não conhecia o caminho que, por sorte minha, coincidia quase totalmente com o meu. Mesmo sendo uruguaio tinha em suas mãos um mapa turístico, do qual se valia a todo momento. Eis que me deixou 150km mais perto do meu destino, a 20km de Colónia del Sacramento, porém já ao entardecer. A partir daqui, um novo capítulo se inicia.

Contradizendo minhas crenças um carro parou, ou melhor, uma linda Mercedes 86 sendo dirigida por Horácio, um argentino muito prestativo como verão a seguir. Começamos a conversar e as coincidências começaram a aparecer. Falei do curso que estou fazendo na faculdade e de minha intenção de projetar barcos e motos, e disse do meu desejo de trabalhar também com restauração de motos antigas, relembrando então de uma moto BMW da década de 50 que eu havia visto em Curitiba. Ele me disse que tinha uma moto dessa (que mais tarde eu vi que não é apenas 1 e sim 2, idênticas) e perguntou se eu gostava de carros antigos. Ao receber um sim como resposta me contou que estava montando um museu destes tão desejados veículos e me convidou não só a conhecer o museu como também me ofereceu um lugar para ficar em sua fazenda que se distanciava 17km de Colônia. Todavia, ciente da minha vontade de conhecer a cidade, me levou pelo segundo tour guiado do dia, entretanto, ao invés de discutirmos sobre a história do lugar, refletimos sobre a arquitetura das construções históricas. Enfim chegamos a sua casa, que fica ao lado do museu, e enquanto visitávamos este segundo, pediu a um empregado que arrumasse o quarto em que eu iria me hospedar. Um lindo museu, com cerca de 25 carros em sua maioria da década de 20. Ele mesmo, com ajuda de empregados faz a restauração dos que não estão perfeitas condições, porém quase todos eles estão em aptos a rodar. Jantamos e fui para o meu quarto, que em conforto muito se assemelhava a um quarto de um ótimo hotel. Uma cama de casal com um colchão melhor do que o que tinha na minha própria cama, edredons e cobertas felpudas e um ótimo chuveiro a gás. Uma das melhores noites de toda a viagem! No dia seguinte Horácio me convidou para almoçar em Colônia e fomos em um Ford T 1926, que era mais fotografado por turístas do que qualquer monumento da antiga cidade. Acabei dormindo lá mais uma noite porque havia ficado tarde para ir a estrada pedir carona. No dia seguinte trocamos email e eu finalmente deixei a fazenda, sabendo que estaria deixando um novo amigo com quem eu ficaria muito satisfeito de me reencontrar um dia.

Oito caronas então me levaram de Colônia del Sacramento pelas cidades de Carmelo, Nueva Palmira, Dolores e Mercedes até enfim chegar, tarde da noite, a Paysandú. Uma delas foi com um senhor que se dizia caçador de tesouros e dizia que tinha mais de 60 mil dólares em detectores de metal, dá pra acreditar? Acampei novamente na beira da rodovia, deixando claro os contrastes da viagem, e logo cedo, no dia seguinte, consegui uma carona que me levasse até a ponte que liga Uruguai e Argentina, tendo finalmente meu passaporte carimbado por duas nações diferentes e assim deixando para trás o primeiro país estrangeiro que visitei; e o que dizer sobre ele?

Terra em que o "ll" e o "y" se pronunciam como o nosso "ch", é também terra de política, educação e poucas diferenças sociais, lá não há milhonários, nem miseráveis. Não vi estatísticas, porém uruguaios me disseram que aqui não existe analfabetismo, que todas as crianças ganham um notebook da escola e que todas as praças públicas possuem wi-fi. O povo muito se orgulha de sua democracia, fomentada nos indivíduos dessa nação desde os tempos de colégio, transformando-os em cidadãos extremamente politizados. Muito educados em sua maioria, menos no trânsito, local em que a grande maioria anda sem capacete nas motos, sem cinto de seguranca e leva gente nas caçambas (Graças a Deus!!), por mais que sejam todos atos proibidos. Solidários e receptivos, lá até os velhos admiram os viajantes, não os tratando como loucos ou vagabundos; por lá, conhecer o mundo é um ato de coragem, e não de loucura. Devido à pouca verba, deixei de conhecer lugares interessantes, sem dúvida dejeso voltar a esse lugar que muito me encantou.

Deixando o Uruguai para trás, atravessei a ponte que separa os dois países em direção a Argentina na caçamba de outra caminhonete até Colón, onde alegre pelo câmbio que facilita a vida gastei todo o dinheiro e fiquei sem um tostão no bolso. De certo que o dinheiro foi muito bem aproveitado, comi feito um indigente esfomeado com um grande banquete, gratúito, a sua frente, e passei horas na internet, o que não fazia a um período relativamente grande. Porém, como um bom andejo sortudo que sou, fui novamente salvo, desta vez da maneira mais inusitada possível. Pedi a um rapaz onde ficava a estrada que saia de Colón, me indicou e me perguntou porque, disse que iria pedir carona, ele então tirou 30 pesos argentinos (15 reais com o câmbio atual, mas equivalente a 30 reais em poder de compra no Brasil) do bolso e me deu dizendo para pegar um ônibus, e nao havia santo que o fizesse desistir de me dar o dinheiro. Aceitei, mas não o gastei.

Hoje cedo, com duas caronas rápidas cheguei em Concepción del Uruguay, terra de um casal de amigos que conheci em Montevidéo e por aqui devo ficar uns dois dias. Estou aguardando ansiosamente pela noite, pois espero de fato comemorar meus dois meses de viagem, completados hoje. É impressionante o que se vive em dois meses de estrada, e o que mais me assusta e ao mesmo tempo fascina é que tudo isso está apenas comecando; fiz menos de um décimo de tudo aquilo que pretendo recorrer.

Iria direto a Buenos Aires, mas decidi manter o roteiro, então antes de ir pra cidade que eu tanto sinto saudade vou dar um pulo em 3 cidades, são elas: Santa Fé, Córdoba e Rosário. Acredito chegar em Buenos Aires em não mais de 10 dias. E não, eu não aprendo que não adianta fazer planos, acho que tenho um prazer oculto em não os cumprir.

Sem mais no momento, me despeço deixando um parabéns a meu sobrinho Giovanni que completou hoje 1 mês de vida.

Um grande abraço a todos, do 60 dias mais sábio

Andejo

Um comentário:

  1. Cara, você não faz ideia de como eu to curtindo essas histórias. Sinto, cada vez mais, uma vontade de fazer uma viagem dessas. Lendo os seus textos, sinto um frio na barriga, imaginando como é se aventurar dessa maneira. Você escreve muito bem, chega a ser inspirador.
    Você realmente tem coragem... e um pouco de insanidade. ;D Mas isso é bom.
    Boa sorte nessa jornada! E continue compartilhando esses momentos com a gente!
    Abraço!

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