O Andejo Vadio: abril 2010
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Curiti...digo...Córdoba

Na realidade as duas cidades do título nao sao tao parecidas, porém, comparando as diferenças de costumes dos lugares, essa capital,pertencente a província de mesmo nome, me fez de certa forma me sentir em casa, ou quase.

Pero bueno, antes preciso relatar de forma rápida como cheguei a esse lugar, começando de onde parei na última postagem, ou seja, o pedágio Vitória-Rosário e os 'companheiros' de piquete da Sutracovi

Após terminada a manifestaçao, já na tarde de quarta-feira, alguns manifestantes filiados a Sutracovi que eram de outra praça de pedágio me levaram com eles na volta para casa, uns 60 km em direçao a Córdoba, até uma outra praça de pedágio onde seria mais fácil achar alguém que tivesse o mesmo destino que eu. Entretanto 'mais fácil' nao necessáriamente significa 'fácil' e nesse pedágio tremi de frio até o princípio da noite. Graças a ajuda de uma atendente do pedágio, porém, um caminhoneiro parou e me levou até Río Primero, pequeno povoado a 50km de Córdoba. Viagem muito longa e cansativa, com o caminhao a nao mais do que 70 km/h levou uma eternidade para chegarmos ao nosso destino e ali chegamos por volta de meia noite e meia. Congelando de frio, extremamente cansado e resignado, decidi buscar um hotel, e pela incrível lei de Murph, na primeira vez que procurei abrigo pago em um lugar, nao haviam vagas. Um pouco consternado com a falsa impressao - verao a seguir - de falta de sorte, caminhei aleatoriamente pela fria cidade durante sua serena noite de outono até encontrar, enfim, uma luz acesa - um kiosco, comércio que se assemelha a um mercadinho no Brasil, que por sorte era 24 horas.

Imaginem a cena: Um mochileiro, com uma mochila de 75 litros nas costas, com uma de 35 litros no peito e com um violao no ombro, tremendo de frio, entra em uma pequena venda, onde estavam 4 pessoas do pequeno povoado com nao mais de 5 mil habitantes, perto das 2h da madrugada.

Os 4 entao se calaram me olharam, se entreolharam, e entao, com forte sotaque Cordobês, responderam ao meu cumprimento e com tato comecei a conversar com todos, conversa essa que se estendeu por um bom tempo. Um deles era um rapaz de uns 30 anos que junto com seu irmao era o dono do kiosco, e me disse, após eu afirmar que meu destino era Córdoba e nao a pequena cidade, e que nao continuaria a viagem naquele dia pois viajava de carona e era praticamente impossível que me levantassem a noite, que ele mesmo iria na manha seguinte a capital resolver uns assuntos particulares e me levaria se fosse do meu interesse. Rapidamente acertamos detalhes, ele se foi dormir e eu fiquei protegido do frio no kiosco, já descrente da falta de sorte. Na manha do dia seguinte finalmente cheguei a segunda maior cidade da Argentina, Córdoba, com seus cerca de 3 milhoes de habitantes e finalmente, fato que ha tempos nao ocorria, vi muita gente e movimento de verdade nas ruas.

Na primeira noite fiquei na casa de um rapaz de minha idade, professor de tango, que logo se animou com meu conhecimento em danças brasileiras e me apresentou pessoas, entre essas, Grillo, dono do Yoruba Dance Company. Aqui enfim chegamos a segunda parte do título da última postagem, lugar esse que foi o motivo da minha larga permanência em Córdoba. Eu, Pablo, Anahí, professora de ritmos brasileiros da escola e Grillo armamos rapidamente um workshop de Samba de Gafieira e Zouk para a sexta-feira seguinte, significando que ficaria muito tempo na cidade.

Enquanto eles se preocupavam em fazer a publicidade eu relaxaca, conhecia a cidade e preparava Anahí para me ajudar nas aulas. Foram 10 dias em Córdoba, dividindo os dias em maravilhosos, normais, entediantes e interessantes.

Já no segundo dia me mudei de casa. Me hospedei na casa de Ricardo, um advogado que trabalha de juiz numa cidade a 50km de Córdoba. Um belo apartamento, extremamente organizado. Completamentes diferentes, mas tendo em vista o grande respeito das duas partes a opiniao alheia, essa diferença, ao invés de se tornar um problema, se tornou motivo de grandes conversas e indagaçao e isso muito me alegrou. Ter a possibilidade de conhecer idéias e ideais distintos, pontos de vista de um outro país, outras formas de se viver, compartilhar a paixao de viajar, vividas de formas tao diferentes pelos dois interlocutores e outros mil assuntos mais, desde ocultismo até direito internacional, nao podendo deixar de citar a música, paixao também dividida pelas duas partes, tornaram partes dos dias nesta cidade interessantes.

Porém outra parte nao foi tao boa. A impossibilidade de gastar dinheiro e o excesso de tempo livre tornaram parte dos dias extremamente entediantes, e permiti que isso me prejudicasse. Confesso que poderia ter conehcido mais da cidade, entretanto estava cansado, no momento, de monumentos e praças, e se nao fosse para conhecer a vida cotidiana das pessoas da regiao, nao saia de casa, passando assim muitos momentos em casa, assistindo, por exemplo Caminho das Indias dublado em espanhol, aqui chamado de "India, Uma História de Amor". Incrédulo, ficava rindo sozinho a todo instante: é pior que novelas mexicanas dubladas em português.

Nao posso, todavia, apenas reclamar. Fui a baladas, teatros e milongas - bailes onde se dançam 3 estilos típicos argentinos: tango, milonga e vals - e o melhor, todos de graça. Dancei salsa em baladas até a exaustao, dancei tangos e milongas na Plaza San Martin, assisti a espetáculos impressionantes em lindos teatros, visitei igrejas e museus. Tudo isso tornou grande parte dos dias maravilhosamente agradáveis.

Creio que nao necessito falar sobre a normalidade dos dias normais.

Bom, sexta-feira enfim chegou, dei as aulas, fiz algum dinheiro, porém me enrolei para ir embora e fiquei até domingo de manha em Córdoba. Na própria sexta fui novamente a uma salsa onde me acabei de dançar novamente, e no sábado nao fiz nada de útil. Ao menos tive muita sorte na hora de sair da cidade. Ricardo me levou até a Ruta 9 que leva direto a Rosário, que era meu objetivo no momento e em menos de 10 minutos parou um carro que ia para Buenos Aires, ou seja, fiz os 400 km que separam as duas cidades somente com uma carona.

Agora estou num hostel em Rosário. Pela primeira vez na viagem gastando dinheiro com estadia, mas logo parto para Buenos Aires e enfim buscarei de fato um trabalho, torçam por mim!

Rosário é uma cidade linda e agradável, mas conto como foi por aqui na próxima postagem!! (Isso tá virando novela, rs!!!)

Um grande abraço a todos e muito obrigado pela força que têm me dado!

Andejo

quinta-feira, 15 de abril de 2010

De Sutracovi a Yoruba

Sindicato Único de Trabajadores de Concesionarias Viales y Afines. Com o nome desse sindicato, que tem como objetivo, em geral, proteger os trabalhadores de estaçoes de pedágios, inicío essa postagem. O porquê será dito em seu devido momento, e antes que este chegue, partamos de minha partida de Concepción del Uruguay.

Eu esperava ansiosamente pela chegada de José e Mariela na manha de terça-feira, mas nao foram eles que chegaram e sim a mae de José. Me disse que seu filho e sua nora iriam partir para outra viagem sem passar em casa, e disse que me levaria até a estrada onde eles passariam, para eu aproveitar a carona para seguir meu destino.

Apressadamente coloquei as coisas dentro da mochila e em menos de meia hora subia novamente no caminhao de José, desta vez a última. Consegui pegar algumas fotos com eles e viajei uns 60 Km em direçao a Córdoba, meu objetivo. A despedida foi bacana, demonstrando os dois lados que uma nova amizade havia sido construída. Sentirei saudades desse casal.

Isso é uma das muitas coisas difíceis que estrada nos proporciona. Encontro pessoas que salvam minha vida a todo instante, que me alimentam, arranjam-me abrigo em uma noite chuvosa, apresentam-me pais, esposas, filhos, amigos, vizinhos e cachorros. Nao mais do que em um momento se cria um forte vínculo emocional, paterno, fraterno; me acolhem em seu círculo mais íntimo e familiar. Porém em dias, horas ou apenas em minutos eu sigo caminhando, novamente perdido em pensamentos; e as despedidas... nao podem imaginar como sao dolorosas, como sao aquelas que dedicamos aos amigos mais próximos. Fico imaginando se um dia poderei reencontrar essas pessoas que me ajudaram sem esperar nada em troca, e tenho também a certeza que ficam eles, que me vêem partindo caminhando para longe, imaginando o que teria acontecido com aquele jovem andarilho.

Desci entao do caminhao, assim como qualquer pessoa desce do carro de um amigo depois de uma noite de festa e caminha em direçao a sua casa; a minha é negra, normalmente pintada com faixas amarelas ou brancas e a cada dia que acordo vejo pela janela uma paisagem diferente. E como saindo mais um dia pra trabalhar, subi em um Uno de um policial que viajava com sua mae. Em mais uma efêmera amizade, iniciada a partir do gosto em comum pela música, me convidou para almoçar em sua casa, em Tala, ainda na província de Entre Ríos. Comi como se estivesse em minha casa e entao Carlos, como era chamado o policial me levou novamente para a estrada, onde em pouco minutos fui levado por um caminhoneiro e sua esposa alguns quilômetros a frente onde constatei sinais que meus próximos momentos nao seriam fáceis, gotas começaram a cair do céu.

Quando a chuva veio de verdade me abriguei em uma cabine da polícia caminera, equivalente a nossa rodoviária, que jazia desocupada a beira da Ruta 39. Mas a chuva nao durou e logo subi noutro Focus até Vitória, última cidade entre os ríos Paraná e Uruguay. Apenas uma estrada concessionada me separava da Província de Santa Fé, porém me separou por mais tempo e de maneira completamente inusitada.

Outro caminhoneiro, este Cordobês, com sotaque muito distinto do que havia encontrado até aqui me levou de Vitória até a praça de pedágio da rodovia citada acima e como chegamos já durante a noite, nao consegui carona em direçao a Rosario. Estava agasalhado o máximo que podia, mas mesmo assim o vento passava congelando até minha alma, e para ajudar, voltou a chover, e nao parou mais. Me abriguei em baixo da praça de pedágio, onde estava acontecendo uma manifestaçao: os trabalhadores, filiados a Sutracovi, estavam em greve. As cancelas estavam todas abertas, os trabalhadores batucavam tambores e os motoristas passavam buzinando e eu ali, com fome, frio e sono, mas nao por muito tempo.

Um dos trabalhadores reparou naquele curioso garoto que tremia incessantemente e foi com ele trocar dois dedos de prosa. A prosa rendeu e o trabalhador, chamado Alexis, convidou o garoto a se juntar aos outros trabalhadores, que comiam um churrasquinho de frango, assim acabando com a fome que ele sentia, que tomavam vinho e fernet ao lado de uma fogueira, acabando assim com o frio que o cortava, e mais tarde, depois de muita festa, música e conversa, arranjaram também ao garoto um local abrigado para passar a noite, desejando-lhe um bom sono. Assim o foi, e o garoto, um andejo vadio perdido numa estrada argentina, fez novamente novas amizades.

Acordei no outro dia, sabendo que aquilo tudo podia nao ter passado de um sonho delirante de um desamparado, porém, sempre consciente, sabia que nao o era, e sim sabia que a sorte, que ditados sempre dizem que acompanha os aventureiros, nao tinha me excluído da lista de beneficiados. No outro dia café da manha seguido por um delicioso churrasco e discursos impressionantes sobre política seguiram por toda manha e parte da tarde. Um banho foi o divisor de águas.

Enquanto os trabalhadores se reuniam em uma assembléia fui tomar um delicioso banho quente. Quando sai do banheiro tudo estava diferente: o sol, escondido por densas nuvens a alguns dias estava de volta, tornando dispensáveis as blusas que usava, tambores nao mais tocavam, faixas de protesto nao mais podiam ser vistas e as cancelas voltaram a trabalhar, o protesto havia terminado e com ele minha estadia no meu Hotel Pedágio Vitória-Rosário. Fui convidado a ir a outro hotel, já que uma nova paralisaçao teria início no dia seguinte em outra praça, porém o norte da minha bússola apontava em outra direçao, Córdoba, cidade que chegaria no dia seguinte, e que estou no momento. Porém as histórias dessa cidade e de Yoruba ficam para uma próxima postagem.

To be continued...

Abraços,

Andejo.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Entre o Céu e o Inferno

Talvez a frase seja um pouco exagerada, admito, entretanto representa bem o que sinto no momento, além ser uma frase de efeito do estilo que me agrada.

Nada melhor do que encontrar novos velhos amigos na estrada, e assim foi aqui em Concepción del Uruguay, cidade que apesar do nome, fica na Argentina. Cidade natal de José e Mariela, casal que eu conheci na casa de Rossana e Nacho, em El Pinar, pertinho de Montevidéo, e que me convidou para os visitar, sem acreditar, penso eu, que eu o faria tão pronto cruzasse a fronteira.

Cheguei pensando em uma visita rápida, e no começo nos tratamos cheios de dedos devido à falta de intimidade, que foi superada de maneira rápida devido à ótima presença de espírito de todos. Assim fui convidado a ficar até domingo, e assim o fiz, o que foi uma de minhas boas escolhas nessa viagem. Me diverti muito, fui apresentado a dezenas de pessoas interessantes, entre elas um tio de Mariela, o Tio Quinto, que assim é chamado por ser o quinto filho de sua família.

Senhor extremamente atencioso e interessante, com infinitas histórias sobre suas viagens a todas as partes do Brasil, país que o encanta. Como Mariela e José trabalham bastante, passei muitos momentos em companhia de Quinto, todos eles agradáveis, aproveitando a incrível sabedoria de sua avançada idade, por mais que sua boa aparência e saúde não a demonstrem com veracidade. Adora cozinhar, e o faz muito bem, o que muito me agrada, já que assim posso me sentir um pouco mais em casa.

Conheci toda a pequena cidade de Concepción, seus costumes, seus habitantes. Viajei de caminhão com José e Mari ao campo ao som de Back in Black, acompanhei a colheita de soja, aprendi a amarrar a lona de uma carroceria, tomei mate vendo no exato instante do poente sol. Fui entrevistado numa rádio, que José, jornalista, trabalha, o que foi extremamente interessante, por mais que meu espanhol ainda não seja eloquente. Fui a um aniversário, interagindo assim num momento íntimo de uma família interiorana argentina. Tive a oportunidade de divulgar sobre a música, o cinema e a literatura brasileira, assim como tive a oportunidade de adquirir conhecimento sobre os mesmos assuntos no que diz respeito aos nossos vizinhos. Esses dias inesquecíveis se resumem em uma palavras: incríveis.

Neste momento que vos escrevo, já deveria estar longe da cidade, porém algo que eu julguei extremamente catastrófico e tristonho, e em proporções menores realmente o é, aconteceu: Meu pendrive parou de funcionar, e até agora não consegui reverter o problema. A consequência: Perdi todas as fotos da viagem que eu tinha até aqui. Estou ansioso para que José chegue para tentarmos juntos fazer com que isso seja apenas um susto.

Isso me levou do céu ao inferno em segundos, justificando assim o título dessa postagem. Meu coração acelerou e meus olhos se encheram de lágrimas. Para mim é tão fácil se desapegar de tantas coisas, porém essas fotos retratavam momentos únicos. Assumo que ao iniciar esta postagem eu estava mais comovido, mas analizando tudo o que tenho vivido não posso reclamar do que perdi, sendo assim mais conveniente levantar a cabeça e buscar aquilo que saí a procura, e que não era fotos de lugares bonitos. Outra coisa que me fez colocar a mão na consciência é o caos que está vivendo o Rio de Janeiro - eu perdi umas fotos, e eles?

Peço desculpas ao Alexandre, meu ex-companheiro de viagem a quem fiquei de enviar as fotos num CD por correio. Planejava, entretanto, enviá-las a ele juntamente com uma carteirinha de visitante do fim do mundo com o seu nome, porque conhecia seu desejo de portar tal objeto, e dadas suas condições, gostaria de realizar esse seu último desejo de viajante. Mas tenha certeza que se eu puder recuperar essas fotos e as enviar, eu o farei.

Sendo assim, me encontro ainda em Concepción, ao menos por mais essa noite. Pegarei assim as fotos que os dois, José e Mari, tiraram e as colocarei no ar e amanhã irei rumo a Córdoba, tendo que bater o atual récorde e fazer 500 Km num só dia. Lá ficarei na casa de um professor de tango, que conheci também pelo Couch Surfing. De lá sigo para Santa Fé e depois pra Rosário, onde enfim cairei na estrada com o intúito de chegar em Buenos Aires, onde ficarei por alguns dias, como já disse antes.

É isso aí, desejem sorte a mim, tanto com as caronas quanto com o famigerado aparato que devorou minhas fotos, porque nos próximos momentos eu seguramente necessitarei da ajuda vindas das forças do acaso.

Agradeço sinceramente os comentários feitos, e como retribuição busco cada vez mais melhorar esse espaço de integração entre viajante, familiares, amigos e curiosos, espero que estejam gostando das mudanças.

Especiais agradecimentos a Mariela e José, além de um grande abraço a todos,

Andejo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Novo mês, novo país.

Pessoal, sentem-se e apertem os cintos que acredito que hoje esteja por vir um longo texto.

Pra começar não estou em Buenos Aires, diferente do que acreditava, o par de dias que se seguiu a minha postagem não me levou à cidade portenha, diga-se de passagem, o dia seguinte à postagem praticamente não me levou a lugar nenhum. Uma carona de 15km me levou até um super mercado a beira da rodovia, onde eu, feliz e contente por ter 300 pesos (30 reais) e apenas mais dois dias no Uruguai, gastei 170 pesos no mercado com uma bela refeição, superando assim minha média prevista de 100 pesos por dia. Porém a vida de um mochileiro não pode ser fácil, ficando isso provado pelas 6 horas seguintes de espera no acostamento de uma das tantas rodovias uruguaias. Por sorte, já muito perto de anoitecer subi em uma caçamba que me levou mais uns 30km em direção ao meu destino, até uma cidade de nome San Jacinto. Caminhei um pouco pela beira da estrada e fui agraciado por um lugar magnífico para acampar: Um pequeno clube abandonado no qual eu pude armar a barraca protegida por uma cobertura e num chão de cimento.

Um novo dia começou e por sorte minha sorte se renovou. Sem muita espera, a primeira carona do dia me levou de San Jacinto a Canelones. Atravessei a cidade a pé e o primeiro fato extra ordinário aconteceu. Peguei carona com um sujeito que não recordo o nome no momento, mas que jogando conversa fora enquanto me levava até Santa Lucia descobri que havia estado a pouco no mesmo navio que meus pais se encontram agora fazendo um cruzeiro até a Europa, fazendo ele um cruzeiro com escalas em Montevidéo, Santos e Buenos Aires. Não entendo muito de cruzeiros, mas para mim foi uma coincidência e tanto. Outro fato curioso é que chegamos em Santa Lucia momentos antes de a 67° Volta Ciclistica do Uruguai passar pela cidade, ou seja, atravessei a pequena cidade a pé tendo que desviar dos poucos mil habitantes que provavelmente estavam todos na rua, tudo por segundos, afinal os ciclistas estavam muito próximos um do outro e passaram muito rapidamente pelo lugar.

A minha próxima carona foi praticamente um assalto. Um senhor chamado Juan Carlos parou sua caminhonete para olhar um problema no pneu, porém perto demais de mim que corri e o abordei, e acredito que ficou sem graça de me recusar a carona. Mas foi ainda melhor do que um longo trecho percorrido. Este senhor, além de fazendeiro criador de gado, era também deputado e conversamos longamente sobre política, sobre as realidades de Brasil e Uruguai, sobre meus objetivos na viagem e sobre outras coisas mais. Enfim chegamos ao destino, San José de Mayo, onde fiz um tour guiado por ele mesmo pela linda cidadezinha uruguaia. Ao descer do carro, já na saída da cidade onde se dispôs a me levar, me deu seu cartão me alertando que o ligasse caso precisasse de algo e tirou 200 pesos da carteira e me deu. Novamente relutei, porém devido a sua insistência e a minha necessidade, aceitei aliviado. Com parte desse dinheiro eu almocei assistindo à chegada da prova de ciclismo em Montevidéo ao vivo e em seguida peguei carona com um moleque num Chevette todo modificado, de dar inveja a muito carro de luxo, até um trevo mais a frente, onde poderia pedir carona somente aos carros que teriam destino próximo ao meu. Seguiu-se a isso a carona mais confusa que eu já peguei. Um radialista de uma pequena cidade parou e disse que me deixaria 25km a frente de onde estava e prontamente aceitei, porém ele não conhecia o caminho que, por sorte minha, coincidia quase totalmente com o meu. Mesmo sendo uruguaio tinha em suas mãos um mapa turístico, do qual se valia a todo momento. Eis que me deixou 150km mais perto do meu destino, a 20km de Colónia del Sacramento, porém já ao entardecer. A partir daqui, um novo capítulo se inicia.

Contradizendo minhas crenças um carro parou, ou melhor, uma linda Mercedes 86 sendo dirigida por Horácio, um argentino muito prestativo como verão a seguir. Começamos a conversar e as coincidências começaram a aparecer. Falei do curso que estou fazendo na faculdade e de minha intenção de projetar barcos e motos, e disse do meu desejo de trabalhar também com restauração de motos antigas, relembrando então de uma moto BMW da década de 50 que eu havia visto em Curitiba. Ele me disse que tinha uma moto dessa (que mais tarde eu vi que não é apenas 1 e sim 2, idênticas) e perguntou se eu gostava de carros antigos. Ao receber um sim como resposta me contou que estava montando um museu destes tão desejados veículos e me convidou não só a conhecer o museu como também me ofereceu um lugar para ficar em sua fazenda que se distanciava 17km de Colônia. Todavia, ciente da minha vontade de conhecer a cidade, me levou pelo segundo tour guiado do dia, entretanto, ao invés de discutirmos sobre a história do lugar, refletimos sobre a arquitetura das construções históricas. Enfim chegamos a sua casa, que fica ao lado do museu, e enquanto visitávamos este segundo, pediu a um empregado que arrumasse o quarto em que eu iria me hospedar. Um lindo museu, com cerca de 25 carros em sua maioria da década de 20. Ele mesmo, com ajuda de empregados faz a restauração dos que não estão perfeitas condições, porém quase todos eles estão em aptos a rodar. Jantamos e fui para o meu quarto, que em conforto muito se assemelhava a um quarto de um ótimo hotel. Uma cama de casal com um colchão melhor do que o que tinha na minha própria cama, edredons e cobertas felpudas e um ótimo chuveiro a gás. Uma das melhores noites de toda a viagem! No dia seguinte Horácio me convidou para almoçar em Colônia e fomos em um Ford T 1926, que era mais fotografado por turístas do que qualquer monumento da antiga cidade. Acabei dormindo lá mais uma noite porque havia ficado tarde para ir a estrada pedir carona. No dia seguinte trocamos email e eu finalmente deixei a fazenda, sabendo que estaria deixando um novo amigo com quem eu ficaria muito satisfeito de me reencontrar um dia.

Oito caronas então me levaram de Colônia del Sacramento pelas cidades de Carmelo, Nueva Palmira, Dolores e Mercedes até enfim chegar, tarde da noite, a Paysandú. Uma delas foi com um senhor que se dizia caçador de tesouros e dizia que tinha mais de 60 mil dólares em detectores de metal, dá pra acreditar? Acampei novamente na beira da rodovia, deixando claro os contrastes da viagem, e logo cedo, no dia seguinte, consegui uma carona que me levasse até a ponte que liga Uruguai e Argentina, tendo finalmente meu passaporte carimbado por duas nações diferentes e assim deixando para trás o primeiro país estrangeiro que visitei; e o que dizer sobre ele?

Terra em que o "ll" e o "y" se pronunciam como o nosso "ch", é também terra de política, educação e poucas diferenças sociais, lá não há milhonários, nem miseráveis. Não vi estatísticas, porém uruguaios me disseram que aqui não existe analfabetismo, que todas as crianças ganham um notebook da escola e que todas as praças públicas possuem wi-fi. O povo muito se orgulha de sua democracia, fomentada nos indivíduos dessa nação desde os tempos de colégio, transformando-os em cidadãos extremamente politizados. Muito educados em sua maioria, menos no trânsito, local em que a grande maioria anda sem capacete nas motos, sem cinto de seguranca e leva gente nas caçambas (Graças a Deus!!), por mais que sejam todos atos proibidos. Solidários e receptivos, lá até os velhos admiram os viajantes, não os tratando como loucos ou vagabundos; por lá, conhecer o mundo é um ato de coragem, e não de loucura. Devido à pouca verba, deixei de conhecer lugares interessantes, sem dúvida dejeso voltar a esse lugar que muito me encantou.

Deixando o Uruguai para trás, atravessei a ponte que separa os dois países em direção a Argentina na caçamba de outra caminhonete até Colón, onde alegre pelo câmbio que facilita a vida gastei todo o dinheiro e fiquei sem um tostão no bolso. De certo que o dinheiro foi muito bem aproveitado, comi feito um indigente esfomeado com um grande banquete, gratúito, a sua frente, e passei horas na internet, o que não fazia a um período relativamente grande. Porém, como um bom andejo sortudo que sou, fui novamente salvo, desta vez da maneira mais inusitada possível. Pedi a um rapaz onde ficava a estrada que saia de Colón, me indicou e me perguntou porque, disse que iria pedir carona, ele então tirou 30 pesos argentinos (15 reais com o câmbio atual, mas equivalente a 30 reais em poder de compra no Brasil) do bolso e me deu dizendo para pegar um ônibus, e nao havia santo que o fizesse desistir de me dar o dinheiro. Aceitei, mas não o gastei.

Hoje cedo, com duas caronas rápidas cheguei em Concepción del Uruguay, terra de um casal de amigos que conheci em Montevidéo e por aqui devo ficar uns dois dias. Estou aguardando ansiosamente pela noite, pois espero de fato comemorar meus dois meses de viagem, completados hoje. É impressionante o que se vive em dois meses de estrada, e o que mais me assusta e ao mesmo tempo fascina é que tudo isso está apenas comecando; fiz menos de um décimo de tudo aquilo que pretendo recorrer.

Iria direto a Buenos Aires, mas decidi manter o roteiro, então antes de ir pra cidade que eu tanto sinto saudade vou dar um pulo em 3 cidades, são elas: Santa Fé, Córdoba e Rosário. Acredito chegar em Buenos Aires em não mais de 10 dias. E não, eu não aprendo que não adianta fazer planos, acho que tenho um prazer oculto em não os cumprir.

Sem mais no momento, me despeço deixando um parabéns a meu sobrinho Giovanni que completou hoje 1 mês de vida.

Um grande abraço a todos, do 60 dias mais sábio

Andejo

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"...A saudade dói em meu peito me rói..."


Bom dia a todos e sejam novamente bem vindos à saga de um menino viajante!

Ainda estou em El Pinar, e como prometido estou aqui postando antes de deixar este lindo lugar para enfrentar novamente a estrada!

Antes de qualquer coisa preciso falar da família que me recebeu por aqui, através da minha primeira experiência com o "Couch Surfing". Rossana e Nacho, junto com as criancas me receberam muitíssimo bem e a eles estou muito grato! Aqui tive momentos maravilhosos e além de cama e comida, encontrei novos amigos. Extremamentes cultos e politizados, gastamos horas conversando sobre diversos assuntos que envolviam política, religiao, esportes e música. Muito obrigado aos dois!

Conheci também outras pessoas que passaram pela casa, como Fred, um uruguaio que passou 2 anos viajando pelo Brasil e juntou uma experiência fascinante além de outros viajantes que ficaram hospedados aqui, cada um com suas peculiaridades.

Quanto à cidade de Montevideo, digo que nao a devo ter conhecido direito. No Uruguai, nesta semana, é uma semana de folga, conhecida como semana de turismo, em que praticamente tudo se fecha, ou seja, encontrei praticamente uma cidade fantasma. Apenas poucas lojas e um museu, lindo por sinal, que contava a vida e mostrava as obras de Torres García e de sua neta Eva Días, permanceram aberto. Caminhei por horas a fio durante o dia de ontem comecando por conhececer toda Ciudad Vieja, com monumentos, pracas, palácios e o porto. Nao está perfeitamente conservado, por mais que tenham obras de restauracao por todos os lados, porém creio que este estado deteriorado dos edifícios nos facam exercitar a mente para imaginar como eram em seus tempos áureos e tentar assim compreender toda a história deste lugar, que é muito mais recente que a brasleira.

Saindo deste museu a céu aberto, segui por uma das principais ruas da cidade, 18 de julio, caminhando aleatoriamente entre pracas e lojas, para conhecer as parte da cidade que sao voltadas para os uruguaios e nao para os turistas. Seguí depois pela rua Contituyente seguindo entao para a Rambla, que acredito ter orla como melhor traducao, e a primeira praia que encontrei foi a de Ramirez. Segui pela beira mar, passando por alguns parques e clubs de pesca até chegar à praia (e bairro) de Pocitos. Creio que seja o bairro de mais alto nível social da cidade, e mais alto nível de mulheres bonitas também, diga-se de passagem. Dali segui pela Av. Brasil pelo simples motivo de me sentir mais em casa, e segui até o estádio centenário. Por sorte tinha uma van de turismo estacionada em frente e descuidademente os guias deixaram uma porta aberta e por ali mesmo entrei furtivamente, novamente tendo a sorte (ou a punga) de nao pagar nada. Isso levou o dia inteiro e cheguei em casa exausto. Conversamos e jantamos e sem demora já fui dormir.

Hoje fui acometido por um forte sentimento de nostalgia, e me encontro meio para baixo. Me peguei pensando em como estariam minhas irmas e meus sobrinhos, como estariam meus pais, minha faculdade, meu trabalho e todos meus amigos e senti uma forte saudade de tudo. Quando se viaja em duas pessoas se tem muito o que conversar, com quem dividir suas impressoes e opinioes e com o que se distrair, o que nao acontece quando esta sozinho, logo, gasto muito tempo apenas pensando comigo mesmo. Creio que muitos pensam que sou louco, pois vejo consecutivamente pessoas me olhando na rua enquanto converso sozinho. Acho que vou levar um tempo até me adaptar a essa nova realidade.

Cheguei a pensar em voltar para casa, porém esse pensamento me causou ânsia e vi que isso está fora de cogitacao. Percebi entao que essa viagem nao será composta apenas por momentos de felicidade e euforia mas também por momentos de tristeza e melancolia, sem isso significar que eu nao esteja completamente satisfeito pelo que estou realizando, mas simplesmente sendo isso parte de um todo.

Isso que estou fazendo nao é o mesmo que tirar férias, para relaxar e divertir, mas sim, a partir do momento que entrei naquele trem, comecei uma nova vida, com bons e maus momentos, com dificuldades e superacao e com muita luta para seguir viajando e assim atingir meu objetivo.

Hoje cairei na estrada com o intúito de chegar em Colonia del Sacramento, e espero em um par de dias, chegar a Buenos Aires, onde pretendo ficar por algum tempo, já que tenho muitos amigos por lá para visitar!

Um grande abraco, do hoje melancólico, triste, saudoso e extremamente satisfeito,

Andejo