O Andejo Vadio: março 2011
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

segunda-feira, 21 de março de 2011

Diversidade


Saí de Buenos Aires, meu destino: La Plata, capital da província. Facundo me acompanhou até o centro, onde peguei um ônibus em direção à nova cidade que fica a não mais que 70 km da Capital Federal. Não é muito seguro pedir carona na saída de grandes cidades. Meu computador começou a dar problemas com a rede sem fio e fui a cyber pra verificar se tinha onde ficar na cidade ou não. Não. Os contatos que fiz por couch surfing não deram resultado, decidi então buscar um hostel. O primeiro, lotado. Depois de caminhar mais umas 15 quadras com minha leve mochila de 30 kg, encontrei outro.

Aproveitei que neste lugar meu note funcionava e trabalhei um pouco. Uma brasileira, 2 colombianos, uma francesa e alguns argentinos. Violão, música argentina, colômbiana, e brasileira. Mais tarde fui com duas garotas a alguns bares da cidade, noite bacana. No dia seguinte conheci Martin, um estudante que veio de Bariloche cursar Design na universidade em La Plata e ele me convidou a ir à casa de um amigo seu, Vladmir, de Ushuaia. Em La Plata está uma das universidades mais antigas e conceituadas da Argentina e por isso muitos estudantes vêm de todas as partes do país buscando um diploma de peso. Batemos papo, bebemos, comemos e logicamente saímos. Fracasso, o bar estava péssimo, mas foi muito divertido. Vladmir me convidou a ficar mais uns dias em sua casa, porque no sábado faria um churrasco. Aceitei e no dia seguinte me levaram pelos principais pontos de La Plata e me contaram um pouco de suas estórias.

Dizem as lendas que La Plata foi planejada por um membro de uma seita contra a Igreja Católica. Este, desenhou a cidade de uma forma peculiar. Não importa a direção em que caminhe, sempre encontrará uma praça em 6 quadras. Já na praça principal, as quatro estátuas de mulheres que representam as quatro estações, primavera, verão, outono, inverno, tem suas mãos em formato duvidoso: com os dedos indicador e mínimo esticados enquanto anular e médio estão dobrados, que em teoria simbolizam chifres, possivelmente em apologia ao diabo. Outra estátua na praça principal mostra um arqueiro que apontava seu arco diretamente para a cruz da catedral da cidade. O arco foi retirado do arqueiro após supostamente serem encontrados furos nessa mesma cruz. Para terminar, o prédio da Municipalidad, equivalente a nossa prefeitura, foi construído com os fundos para a praça principal e consequentemente, à catedral, além de sua torre, parecer com uma coruja, possível símbolo da seita. A veracidade dessa histórias é questionável e remete à capacidade humana de achar significados ocultos em quase tudo. Cada um tem a liberdade de acreditar no que quiser, visitem a cidade e tirem suas próprias conclusões. Independente de La Plata ser ou não uma cidade do "diabo", é realmente divertida, lotada de jovens, bares e agito, e é uma boa pedida para se conhecer na região.

No sábado recebemos alguns amigos de Vlad que vieram de Buenos Aires e fizemos um churrasco onde provei uma linguinça de sangue de boi, odiei, rs! Mas os moleques que vieram de Bs As eram muito gente fina e passamos muito bem a noite, até que fomos dormir. Só tinha uma cama de solteiro para 6 pessoas! Com todo o equipamento de viagem que possuo me salvei, coloquei o isolante térmico no chão e dormi no meu saco de dormir como sempre, enquanto dois deles dormiram literalmente no chão e outros 3 colocaram o único colchão de lado e dormiram metade no colchão e metade no chão! No domingo assistimos a alguns filmes de terror nada aterradores e tanto Martin quando Vlad disseram que vão falar com suas família para me hospedarem quando eu esteja em Bariloche e Ushuaia. Quem sabe dê certo e eu não congele no frio sul argentino!

No dia seguinte deixei La Plata em direção à San Clemente de Tuyú, mas demorei quase dois dias para percorrer a distância que separa as duas cidades. A primeira carona foi muito triste. Um cara na casa dos cinquenta, do tipo nervoso, inseguro. Conversamos sobre viagens e ele me diz que gostaria muito de poder viajar mais. Disse que viajava quando era mais novo, mas terminou a vida sem dinheiro, precisando trabalhar muito para se manter. Perdeu sua mãe quando criança e seu pai algum tempo depois. Não é casado e seus dois irmãos já faleceram. Ou seja, já na segunda metade de sua vida, está completamente só, fazendo algo que não lhe agrada. Inevitavelmente me deixou pensando na importância das relações interpessoais em nossas vidas. E pensei nisso durante um bom tempo já que a próxima carona demorou consideravelmente e ao final me levou a uma pequena vila chamada Pipinas. Descolei aí comida e um lugar pra dormir com o dono de uma churrascaria e no dia seguinte segui viagem. Uma carona até o meio do nada e outra até um local chamado Cerro de La Gloria, um povoado com menos de 100 habitantes.

Estava pedindo carona na estrada, ao lado da polícia quando chega um moleque, chamado Fabían, 18 anos, com 3 sanduíches, dois com um bife de milanesa de cervo que eles tinham caçado no dia anterior e outro de queijo com goiabada, estranho, mas muito saboroso. É impressionante a diferença de trato das pessoas do interior e das cidades grandes. Tomamos mate, e ficamos conversando por muito tempo até que consegui outra carona até próximo de San Clemente, e duas mais me levaram até o centro da cidade. Passei duas noites num pequeno hotel na primeira praia do litoral argentino, onde a água é marrom por misturar-se a água do rio da plata. Tomei então um ônibus a Pinamar, a praia High Class da região. Lotada de hotéis com várias estrelas e restaurantes caros, minha única opção foi montar a barraca na praia. Passei num bar fantástico, decorado com cacarecos deixados por seus clientes por mais de 35 anos. Deixei um chaveiro de uma bolinha chinesa. Já em Villa Gesell, a próxima cidade, minha parada foi em um camping.

História interessante a de Villa Gesell. Antigamente na região não havia nada mais do que dunas, quando um senhor chamado Don Carlos Gesell decidiu aí se instalar em 1931. Contruiu sua casa, levou sua família e plantou um par de árvores. Essas árvores transformaram as dunas em um bosque e onde não havia nada instalou-se uma cidade. Sua antiga casa hoje é um museu em sua homenagem e a cidade herdou seu nome. Desse bosque levarei boas lembranças. Encontrei em frente ao museu algumas pessoas que estavam tocando violão depois de um evento em comemoração ao aniversário do fundador da cidade e percebi que uma mulher cantava em francês. Uma artista de circo de Paris que cantava em bares e cabarés na França que veio viver na Argentina tocava vários tipos de música, tanto em francês como em espanhol, algumas músicas ciganas estavam fantásticas. Outros músicos que revezavam cantavam em grego, português e aimarã, idioma andino, surpreendendo-me com uma enorme diversidade cultural. É fascinante o que se encontra viajando, o inesperado se torna regra, mostrando-se presente a todo momento.

Enfim cheguei a Mar del Plata, uma grande cidade do litoral argentino, entretanto deixo essa história para um outro dia, acho que por hoje já falei demais!

Um grande abraço a todos, e principalmente a minha mãe que fez 32 anos (está me devendo uma, mãe) dia 20 e a meu sobrinho Giovanni que fez 1 aninho dia 8. Amo vocês dois!

Até a próxima!

Andejo.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mais uma vez em Buenos Aires!



Quantas saudades sentia de estar à beira da estrada, de me queimar no sol, de não ter pra onde fugir da chuva, de passar horas cantarolando e praguejando os motoristas que não te dão carona. Essa sensação de liberdade que se sobrepõe a todos os pequenos obstáculos que surgem durante o caminho é capaz de transformar pequenos momentos em ocasiões importantes e grandes desafios em brincadeira de criança.

É bem verdade que meu recomeço de viagem foi bem diferente do que estava acostumado, visto que agora tenho a possibilidade de estar um pouco mais cômodo graças ao trabalho com meus pais. Usei deste benefício logo no princípio quando ao invés de "caronear", tomei um ônibus de Curitiba a Cascavel, passando 2 dias com minha irmã. Mas uma coisa não mudou, despedidas continuam sendo despedidas: em primeiro lugar minha mãe, que me levou à rodoviária de Curitiba. Com grande dor no coração, nos despedimos com os olhos lacrimejantes pensando no quanto tardaríamos a nos ver novamente. Em segundo minha irmã, que me levou com minha sobrinha de 1 ano e meio à beira da estrada, e me viu partir caminhando sem um rumo certo. Rever a família é maravilhoso, despedir-se é demasiadamente doloroso.

Pé na estrada. Com duas caronas cheguei a fronteira, com um ônibus a cruzei, e já no lado argentino a primeira caminhada, o primeiro contratempo, a primeira grande espera. Com um sol absurdamente forte não demorei a ficar com o nariz semelhante a um pimentão. Busquei abrigo com o intuito de passar um pouco de protetor. Desastre. O shampu abriu e os 300 ml de líquido gosmento se mesclaram aos outros objetos da mochila. Estupidez de mochileiro iniciante!! Como não colocar as coisas que podem vazar dentro de uma sacola? Passei horas lavando minhas coisas e enchi de espuma o banheiro do posto e acredito que se minha mochila chega a molhar ainda sairá espuma dela. Que raiva! Entretanto, estava no meio do nada e tinha pressa de seguir viagem. Engoli em seco e voltei pro acostamento. Andei alguns quilômetros em busca de uma sombra onde pudesse esperar que uma boa alma me levasse para o sul. Encontrei a sombra, mas não a boa alma. Segui caminhando e percebi que nessa estrada se localizavam grande parte dos hotéis da região, muito procurada pelos turistas que visitam as Cataratas do Iguaçú. Malditos sejam; horas debaixo de um sol escaldante, intercalando entre caminhadas com minha pesada mochila e sinais com o polegar, suando como um porco, olhando uma infinidade de pessoas se divertirem nas refrescantes piscinas dos hotéis. Sabe quando, num dia de calor, você chega em casa cansado, suado e sedento, abre a geladeira e não tem nada pra tomar? Então, foi muito pior. Era como uma mensagem do além: Seu F* da P*, tem mesmo certeza que quer voltar pra essa vida? E rindo da minha desgraça perseverei até ser recompensado.

Já com o sol baixo, subi a um caminhão missioneiro (de Missiones, província argentina, que equivalem ao nossos estados), com ar condicionado e muito tereré gelado. Escutava sertanejo, afinal nem tudo poderia ser perfeito, rs! Deixou-me em uma estação de pedágio não muito distante e já sem luz alguma vinda do sol pensava se deveria dormir por ali mesmo. A ansiedade falou mais alto e continuei pedindo carona. Dessa vez um carro, com um senhor que realmente apreciava o tabaco, levou-me até um posto de polícia perto da capital de Missiones, Posadas. Estive nesse lugar por bastante tempo, mas já de madrugada não esperava conseguir carona. Caminhei até uma garagem de ônibus, onde esperei dormindo em um banco, usando de travesseiro meu cachecol banhado em shampu, um ônibus que me levasse uns 50 Km, até a intersecção da estrada por onde seguiria, economizando um precioso tempo na manhã seguinte.

Desci em um posto próximo a San Jose, e ao lado de um mercadinho armei minha barraca - a infinidade de mosquitos não me permitiram dormir ao ar livre. Acordei antes das dez, e depois de comer uma medialuna recheada com cabelo, fui novamente me queimar ao sol. Próximo a mim, uma mulher pedia carona, e como era de se esperar, a conseguiu antes de mim. Cerca de 2 horas depois subi a um carro com duas mulheres e um moleque de uns 6 anos que dormiu deitado ao meu lado durante quase toda a viagem, despertando-se apenas em um momento gritando: "Vou vomitar!!!" Esse foi apenas um dos sustos que levei durante a viagem, já que a condutora deste carro não era das mais habilidosas, além do fato que a amiga que a acompanhava tirava sarro a todo momento, deixando-a ainda mais nervosa ao volante. Também escutavam sertanejo. Passamos, na metade do caminho, pela mulher que pedia carona perto de mim no posto em San Jose, ela pedia carona novamente na beira da estrada.

Cheguei a Santo Tomé. Parece que os santos estavam ao meu lado, visto que daí dei sorte de agarrar uma carona grande até Santa Fé. Pedi carona num posto a um Gendarme (Oficial da Gendarmeria, orgão militar responsável pelas fronteiras argentinas) e com ele estive por cerca de 7 horas ininterruptas a não menos de 140 km/h. No mesmo posto em Santo Tomé estava novamente a mulher pedindo carona: ou é um fantasma ou uma agente do FBI disfarçada que acha que eu sou um louco terrorista. Bom, o Gendarme era gente boa, dividiu uma pizza comigo e conversamos sobre inúmeros assuntos para afastar o tédio, o que era difícil com a mesmice da paisagem da região: planices e estradas retas que terminavam no horizonte. Acho que ele ficou indignado nos momentos em que cochilei, e aumentava o rádio quando isso acontecia. Advinhem o que tocava? Fato: Missioneiros adoram sertanejo brasileiro. Fato 2: Missioneiros acham que Calypso é sertanejo.

Outro fato é que essa carona veio a calhar e me deixou muito mais perto de Buenos Aires do que esperava. Enfim tudo estava dando certo. Em Santa Fé busquei um hostel, já que agora preciso de internet para trabalhar. Após um relaxante banho quente coloquei meus malcheirosos tênis para tomar um ar na varanda e após algum trabalho fui dormir. Acordei somente no dia seguinte. Chuva. Tênis completamente encharcados. De mau humor, continuei trabalhando e decidi tomar um ônibus até Rosário para fugir da chuva, e lá tomaria novamente um trem a Buenos Aires. A viagem passou bastante rápido devido à conversa que mantive com uma médica que estava sentada ao meu lado e, já em Rosário, a dúvida era se deveria seguir direto a Buenos Aires ou se deveria visitar um amigo na cidade. Escolhi a segunda opção e fui até o hostel em que ele trabalhava. Conheci um canadense muito louco que dizia que iria comprar uma canoa e viajar até Buenos Aires pelo rio Paraná. É a prova que existe gente mais louca que eu (viu mãe, te disse). O rio Paraná a essa altura é trafegado por transatlânticos gigantescos que buscam o importante porto de Rosário, tem altos valores de largura e profundidade, sem contar que a distância entre Rosário e Buenos Aires é de 300 km.

Na noite seguinte parti em ônibus também a Buenos Aires porque descobri que o trem não funcionava aos finais de semana. Cheguei novamente à Capital Federal domingo dia 20 de fevereiro e pela terceira vez essa cidade me engole, rs! Não consegui falar com meu amigo que me hospedou aqui durante o domingo, e por isso novamente me dirigi a um hostel, e aproveitando estar perto do centro fui novamente ao Maluko Beleza, bar que sempre esteve presente em minhas estadias passadas nesta cidade. Encontrei várias pessoas, inclusive um conhecido de Curitiba que estava passando uns dias em Buenos Aires, mas já na segunda feira acompanhei meu amigo a uma das muitas cidades metropolitanas da Grande Buenos Aires, Morón, na zona oeste, e aqui estou desde então, e passei muito bem.

Sábado, dia 26, fiz a tatuagem que a tanto tempo esperava, uma coruja, ave símbolo da sabedoria e da inteligência, possui ampla visão dos acontecimentos dada a capacidade de virar a cabeça 180º. Além de voar, o que inevitavelmente me dá uma sensação de liberdade. Hábitos noturnos, silenciosa, discreta, representa tudo o que busco ser. Uma única sessão, 8 horas, quase morri. É sério. Com 4 horas de tatuagem eu já não aguentava mais. Chegava um momento que o ardor provocado pela pomada anestésica era pior que a própria dor das agulhas furando a pele. Entretanto o pior momento ainda estava por vir. Coceira, muita coceira. Dias e dias de coceira e nem pense em coçar. Mas agora já está um pouco melhor.

Fora isso, os dias por aqui foram muito bem aproveitados, festas, baladas, churrascos e até a um zoológico fomos. Facundo, a segunda grande amizade que fiz na viagem, me apresentou a vários amigos. Joguei futebol com argentinos (meu time ganhou, óbvio, contava com um brasileiro). Também teve um fiasco. Certa noite, dispensamos todas as mulheres do grupo para irmos "caçar". Todos os moleques animados, cantávamos todas as mulheres da rua. Entramos numa balada, fomos ao bar, tomamos uma dose de Jagermeister e quando olhamos ao redor deparamos com a realidade: estávamos em uma festa gay. Demoramos a acreditar, afinal, além de ser uma festa a fantasia, haviam muitas mulheres, muitas delas, lindas. Mas não, éramos os únicos héteros do lugar. Não tenho e nunca tive problemas com gays, mas nunca me senti tão mal e tão incomodado em um lugar antes. Fui embora com extremo mau humor, desacreditando o que tinha acabado de acontecer e o mau humor só passou no dia seguinte.

Noutro dia desses conheci também um outro mochileiro caroneiro brasileiro: Raphael, um carioca que pretendia ir a Ushuaia também, mas como todos os outros, não tinha tanto tempo quanto eu. Por isso ainda não foi dessa vez que arrangei um companheiro de viagem, alguém se candidata? Para terminar fomos ao Zoo de Lujan, uma cidade não muito longe daqui. Não é muito limpo, nem muito organizado, mas mesmo assim fantástico pelo contato que podemos ter com os animais. Em que outro lugar da américa eu poderia acariciar um tigre ou andar em dromedário? Foi muito bacana, confiram as fotos. Também vou postar um vídeo, confiram a seção!

Hoje ou amanhã eu devo ir a La Plata e ENFIM seguir à Patagônia, lugar que deveria ter ido ainda em 2007. Vamos ver quais coisas bizarras me esperam daqui pra frente, e sem dúvida espero que sejam muitas.

Um grande abraço a todos e até a próxima postagem!

Andejo