O Andejo Vadio: abril 2011
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

sábado, 16 de abril de 2011

Um paraíso em cada esquina!



O que vocês fizeram nos últimos 16 meses? É quebrar a realidade - ao menos a minha - pensar a quanto tempo estou viajando. E só de pensar que isso é só o começo me dá calafrios, ou quem sabe seja o frio que enche de neve o topo das montanhas que cercam Villa La Angostura. Montanhas essas tão próximas que parece que se estico o braço pela janela do apartamento de meus novos amigos, poderei tocá-las, agarrar um pouco de neve e colocá-la na jarra pra gelar o suco.

A incrível sensação de bem estar nas residências bem calefacionadas, esconde o cortante vento que sopra na patagônia andina. E conforme o tempo passa e mais ao sul estou, mas selvagem se torna o clima. Isso já se percebia quando deixei Junin em direção à San Martin - e que bela cidade! Poderia ser tranquilamente uma cidade cenográfica. Com sua praça principal, na qual, invariavelmente na Argentina, está a estátua de um homem montado num cavalo, seu pequeno cassino onde pude desfrutar de uma milonga com minhas botas de trekking, sua pequena prainhas às margens do lago Lacar, e suas trilhas através das montanhas, não me espantaria em cruzar uma porta e perceber que entrei equivocadamente em um set de filmagens, como aquele feito especialmente para o pobre Truman!

Tive em San Martin uma das mais lindas vistas desde o princípio da viagem, e não consideraria isso pouco, visto os lugares que já percorri. Depois de caminhar um tempo pelos densos bosques andinos, com suas íngremes e cansativas subidas. Cruzei por uma localidade indígena mapuche até o mirador Bandurrias. Sinto-me frustrado por não ter a capacidade de tirar fotos capazes de demonstrar o mesmo que viam meus olhos. Depois, acompanhado por um cachorro na caçamba de uma caminhote, percorri sinuosas curvas em esburacadas e estreitas estradas de terra até La Islita, um pedaço do paraíso na terra. Uma pequena praia de pedras afastada a uns 50 metros de uma pequena ilha do lago Lacar. Passei toda a tarde aí com os pés na água, conversando com algumas garotas de San Martin que aproveitaram o dia de greve na cidade para desfrutar da natureza. Em San Martin toquei violão pela primeira vez na rua. Não coloquei chapéu nem nada, fiz somente pra perder a vergonha! Um par de gente parou pra me ouvir tocando, bem bacana!

A viagem entre San Martin e meu próximo destino, Villa La Angostura, mostrou-me que as cidades dessa região não são pequenos paraísos isolados e sim que toda a patagônia andina tem a capacidade de tirar o ar de seus pulmões cada vez que uma nova curva te mostra uma nova paisagem. A extrema sorte fez com que um casal de chilenos fossem minha próxima carona e graças a isso pude conhecer bem a tão famosa "Ruta de los Siete Lagos". Imaginava que ia escolher dois lagos para conhecer dada a dificuldade de conseguir carona, esntretanto, ao invés disso, o casal estava também fazendo turismo na região e paramos em quase todos os lagos para respirar um pouco de ar puro e tirar fotos. Para terminar ainda me convidaram para visitá-los em uma bela cidade ao sul do Chile quando estiver passando por ali.

Em Villa La Angostura fui recebido por Sebastian, meu atual anfitrião de Couch Surfing, junto com Charly, Cristian e Emmy. Além deles, mais três surfers andavam por essas bandas: Arturo e Branko, dois mexicanos da Cidade do México e Maud, do sul da França. Com toda essa mescla passamos vários divertidos dias, entre caminhadas, culinária internacional e baladas inesquecíveis - de fato a melhor noite que passei foi aqui. Convidaram-me ao palco e toquei algumas poucas músicas em dois bares da cidade, e convidaram-me também a ir qualquer dia a um terceiro. Não foi de todo mal e quem sabe eu possa fazer um pouquinho de grana com isso qualquer dia. Estou longe de ser músico, entretanto, não é comum haver alguém que cante e toque música brasileira de qualidade (música de boa qualidade e não interpretação de boa qualidade, rs) pela região, e isso valoriza meu passe, rs! 

Meu próximo destino é San Carlos de Bariloche, tão conhecida cidade dos brasileiros. Estou com vontade de procurar um trabalho por aqui para passar o inveno, afinal quero ver neve e esquiar! Vamos ver qual sorte os ventos me trazem!

Quero deixar um grande beijo e um abraço todo especial para minha querida "irmãe" Vanessa que completou 20 anos pela última vez ontem, dia 15 de abril. Vane, com certeza você é uma das peças fundamentais para a formação do caráter do seu caçula, caráter esse que tanto elogia (uhum, quem sabe por saber isso você elogie, rs!). Por isso e por tantos outros motivos que eu e você sabemos sem necessidade nenhuma de citá-los e lhe agradeço! Parabéns!

Para que a homenagem acima seja ainda mais especial, para todos os outros desejo um aperto de mão! =D

Sinceramente,

Andejo.

sábado, 2 de abril de 2011

Patagoneando!


Como acha que seria a estada na casa de um alto funcionário de uma cervejaria artesanal? Foi assim minha difícil vida em Mar del Plata. Fiquei na casa do Gabriel, engenheiro fanático por cerveja que abandonou a carreira quando foi convidado a trabalhar numa fábrica de cerveja. Inclusive provei uma cerveja feita por ele em sua casa!! Posso até dizer agora como se faz uma cerveja! Maneiríssimo! Fora isso, Mar del Plata é uma cidade bacana e se não fosse pelo clima frio, pareceria com o que imagino que é caribe: bares com muitas frutas com mesas com toldo de palha e salsa caribenha rolando solta e outros bares construídos na encosta entre rochedos. Algo que achei impressionante é que armam milhares de toldos na praia e os alugam aos turístas por preços altíssimos, e alguns desses "clubes" tem até piscina, ali mesmo na praia.

No dia que fui embora de Mar del Plata encontrei com meus amigos de Concepción del Uruguay e passei bons momentos com eles, matando a saudade desse casal pelo qual criei um carinho imenso. Levaram-me no caminhão até o cruzamento de duas estradas e aí nos separamos e comecei a pedir dedo já durante a noite num frio absurdo. Para minha grande surpresa, perto das 10 da noite um rapaz que vendia ração para cachorros estava indo a Tandil e me tirou da enrascada que estava. 

Da grande probabilidade que tinha de passar a noite na estrada, fui levado diretamente a um churrasco em Tandil, e meu novo anfitrião, Sebastian, me recebeu com vários amigos também de Couch Surfing. Pessoal muito gente fina, que encontrei muitas vezes antes de sair de Tandil, dias esses que foram fantáticos! Uma das únicas coisas que não fiz foi descansar: churrascos, festas, bares e natureza a todo momento. Conheci aí também duas francesas que moram em Buenos Aires, garotas muito gente fina. Sebastian me convidou para jogar futebol de campo em uma cidade vizinha, e nós dois quase morremos visto que havíamos saído no dia anterior e regressado às 7 e meia da manhã com uma taxa de álcool relativamente alta no sangue, dormimos 3 horas e fomos jogar num campo imenso de baixo de sol forte! Foi terrível, haha! O ponto alto do tempo passado em Tandil foi quando fomos a uma pedreira abandonada, que se transformou num lago ao longo do tempo. Mergulhamos na água gelada e aproveitamos muito bem a tarde. Subimos na antigas estruturas que usava a pedreira que estavam completamente enferrujadas e parecia que iam desmoronar a qualquer momento, além de visitarmos também um cemitério de tratores.

Entretando a viagem continua. Deixei Tandil em direção a Bahia Blanca, com escala em Azul, Benito Juarez e Tres Arroyos, esta última a mais bacana. Já durante a noite em Benito Juarez, subi no carro de um senhor bastante religioso que me ofereceu sua casa para passar a noite. José Farias seu nome. Separado, com dois filhos já adultos e vivendo em Buenos Aires, cedeu-me uma cama confortável que pertencia a seu filho. No dia seguinte ainda me levou para conhecer um pouco da cidade. Coisas assim que parecem absurdas e inacreditáveis para muita gente, como alguém te dar carona e ainda por cima ceder um lugar para dormir, para tomar banho, dar-te de comer e oferecer-se para ser seu guia na cidade, acontecem a todo momento comigo, tornando minha viagem cada vez mais impressionante e me faz desacreditar em toda maldade que todos dizem que domina o mundo. É evidente que existe maldade, que existem pessoas de má índole, mas isso não representa toda a realidade. Esconder-se em suas casas não os faz estar mais seguro, e sim mais ignorantes, visto que julgam o mundo baseado em coisas que escutaram, e não em coisas que viveram. Pode ser até que já tenha te passado algo mal, que tenha sido assaltado, ou sofrido de alguma violência, mas parem para pensar quantas coisas boas lhe aconteceram na vida, quantas pessoas te ajudaram. Essa nossa capacidade de valorizar tudo que é ruim e tornar isso nossa única realidade me entristece e muito, porque cada vez mais as pessoas se encerram dentro de si mesmas, tornando-se assim pessoas mais tristes e solitárias e essas pessoas podem nunca chegar a conhecer a verdadeira realidade da vida.

Tudo isso precedeu minha entrada na tão esperada Patagônia, e depois de 4 anos, visto que esse foi o objetivo em minha primeira viagem em 2007, pude perceber a grandeza dessa paisagem. A Patagônia é tudo que eu imaginava só que em maior escala. Paisagens impressionantes, quilômetros de estrada reta e deserta, sem nenhum povoado ou vila. Estradas essas que aos poucos mudam suas caras, passando de campos para estepes, tornando-se quase desértico em algum momento passando a ser bosques quando se acerca a cordilheira dos andes. Saí da província de Buenos Aires, cruzei parte de La Pampa, Rio Negro e minha primeira parada foi em Neuquén, onde dormi gratuitamente em um Hotel - estou ficando bom nesse negócio de viajar sem dinheiro. Seguindo, subi numa camionete que transformou em tortura minha viagem. Um carro extremamente velho, que andava a cerca de 60 km/h e que tinha que parar de 15 em 15 minutos esfriar o motor e colocar água no radiador. Torturante. Para rodar 280 km demoramos 6 horas, mais lento que qualquer caminhão. Quando faltavam 15 km para chegar ao local onde me despediria desses simpáticos argentinos o carro pifou de vez e o senhor, muito simpático mas pouco experimentado em mecânica, começou a tirar todas as mangueiras e fios do lugar, levando-me ao desespero porque era visível que ele não sabia o que estava fazendo. O cúmulo foi quando começou a mexer no equipamento de gás e começou a soltar uma válvula. Como eu trabalhei com ar comprimido quando mergulhava, sei que a pior coisa a fazer é manutenção com o cilindro cheio, tornando-o extremamente perigoso. Afastei-me e quando vi um guincho passando fiz sinal e pararam, ajudando-nos a concertar o que havia quebrado. Torcendo para não ter mais nenhum problemas transcorri os últimos quilômetros até a bifurcação em qual eu desceria do carro e voltaria a pedir carona. Por sorte assim aconteceu. 

Uma paisagem fascinante não me deixava perceber a seriedade da situação, a temperatura caía, o tempo fechava e a noite se aproximava, mas era tudo tão novo que inexplicavelmente eu não conseguia me preocupar em quem sabe passar a noite aí. Por sorte não tardaram a me levar a Junin de los Andes, onde estou agora. Linda pequena cidade nos pés das montanhas, lugar tranquilo propício para o descanso e para esportes de aventura. Fiz um trekking de mais ou menos 1 hora e meia até o alto de um morro onde tive uma visão espetacular do vulcão Lanín, quem infelizmente, devido ao sol, não pude fotografar de forma a representar toda sua magnitude e majestade no horizonte. Decidi voltar entre estepes, morros, bosques e florestas para cortar caminho e interagir um pouco com a natureza e quase tive problemas, locais muito íngremes, com mata extremamente fechadas e somente decidi seguir em frente porque não sei se teria capacidade de voltar pelo caminho que havia ido além de que a noite chegava. Por sorte tudo correu bem, confira o vídeo abaixo.



Hoje devo deixar Junin e seguir Patagoneando em direção ao sul e espero que minhas experiências continuem sendo tão fantásticas e empolgantes quanto foram as das últimas semanas, não me deixando hesitar e nem me arrepender por um instante sequer do que escolhi fazer de minha vida. Estou disfrutando de cada instante da viagem, mesmo que já esteja com mais de 15 meses. Sinto falta de minha família, de meus amigos, mas sinto ainda mais falta daquilo que ainda não conheço, das fantásticas paisagens me esperam, os diferentes povos, culturas, pensamentos, crenças e ideais. Percebi que deixei uma faculdade para entrar em outra, que não é técnica e que nem lhe dá um diploma, mas te ensina não somente a viver como também a disfrutar da vida, de seus pequenos detalhes, dos pequenos gestos, do silêncio, da solidão forçada que te deixa filosofar horas e horas, e torna as sociabilizações não somente obrigações, mas também momentos que devem ser aproveitados como se fossem únicos.

E ao final de tudo, perguntam-me se não me considero louco por fazer o que estou fazendo e agora respondo a todos: Seria louco se depois de descobrir essa vida a abandonasse sem cumprir meus objetivos. Não importa quão bem eu possa ter a sorte de escrever, não poderia expressar meus pensamentos, não importa a qualidade de minha câmera, ela não é capaz de mostrar o que meus olhos vêem e não importa o quanto eu estudasse, eu nunca amadureceria tanto como na estrada. Loucura por loucura, fico com a minha.

Um grande abraço a todos,

Andejo.