O Andejo Vadio: Carretera Austral e O Casamento de Pato Diaz
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

sábado, 2 de julho de 2011

Carretera Austral e O Casamento de Pato Diaz

Carretera Austral

Carretera Austral, estrada que liga a Villa O’Higgins a Chaitén, construída no meio de montanhas, bordas de lagos e por cima de pântanos pelo governo ditatorial de Pinochet, para ligar o antes isolado sul do Chile ao resto do país. Há não muito tempo, a única forma de transitar por essas partes era a pé ou a cavalo, passando por perigosas trilhas em beira de abismos – que digam os campesinos que perderam animais que escorregavam nas geladas pedras e caiam metros abaixo formando cemitérios em meio à paisagem.

Depois do difícil período que tive na viagem, ingressei nessa parte do Chile por Chile Chico, a maior cidade da região, com cinco mil habitantes e aí fui recebido por Ferdinando, um reconhecido guia turístico da zona. Por coincidência dei as caras justamente no dia de seu aniversário, e enquanto ele preparava a festa, fui com seu primo, Sérgio, andar de caiaque no lago de águas geladas. No meio do lago, tirou uma garrafa de Absolut de pera de seu caiaque assim como várias pedras de gelo e desfrutamos dessa saborosa mistura de Vodka e da pura água do lago, em completo silêncio em meio à natureza.

A festa foi bastante interessante e me permitiu perceber que terei que aprender um novo idioma aqui no Chile. O sotaque distinto, a velocidade de fala e os inúmeros modismos locais torna muito difícil a compreensão dos nativos desse longo e estreito país.

Ferdinando me convidou a acompanhá-lo em uma viagem que faria pelas cidades que estão às margens do lago entregando óculos de grau. Sua irmã, que possui uma ótica em Santiago, realizou junto com ele e uma médica oculista, um mutirão, atendendo a muitas pessoas dessa região que não tinham acesso a esse serviço e enfim os óculos estavam prontos para ser entregues. Obviamente aceitei o convite e o acompanhei por vários dias até a cidade de Coyhaique, capital da região de Aysén. Nesse período ele me mostrou muitas das paisagens escondidas pelas montanhas, além de me contar inúmeras histórias que tornam essa parte do mundo única, quase esquecida no tempo. Histórias essas que vou contar a vocês.

Começo com a história de um casamento, que de acordo com Ferdinando é real, e passou a menos de 20 anos atrás, período em que essa região muito se parecia aos filmes de velho oeste hollywoodianos.  Obviamente, mudei os nomes dos personagens, e cabe a cada um de vocês avaliarem e julgarem a veracidade do que lhes vou contar.

Além dessa, outros dois contos virão antes que eu conte a minha própria história por essas terras. Convido-lhes a entrar em um mundo de imaginação e fantasia que envolve esse mágico lugar. Com vocês, a história do “Casamento de Pato Diaz”.

***


Dia de feriado nacional, e como sempre nesta parte do Chile, dia de muita festa, e de maneira alguma os quatro inseparáveis amigos da pequena Mallín Grande iriam perder a festa na também pequena, entretanto mais movimentada, Puerto Guadal.

Cada um vendeu seus novilhos para encher o bolso com dinheiro e poder bem aproveitar o evento, afinal, não era sempre que tinham festas assim na região. Colocaram suas melhores roupas de típica do vaqueiro chileno, montaram em seus cavalos e partiram para a cidade vizinha.

Todos aproveitaram e beberam muito, e um deles, Francesco Di Giorgio, o mais estudado e loquaz, não demorou a arranjar companhia para aquecer-se na fria noite patagônica.  Outros dois, menos aptos aos jogos de sedução, Carlitos Fernandez e Leo Vélez, decidiram pagar pelos prazeres mundanos, contratando profissionais que exerciam o ofício mais antigo. Havia um, porém, Pato Diaz, o mais tímido do grupo, que ficou somente no bar, tomando uma dose atrás da outra, somente observando a festa acontecer. Por alguns dias, os amigos não voltaram a se encontrar.

Com esses dias passados não estando ainda distantes, Francesco se preparava, ainda de madrugada, para subir às montanhas com o pai, assim como costumava fazer todos os dias, para juntar os animais e começar o trabalho. Mas esse dia seria diferente dos demais, e ele percebeu isso quando recebeu a inesperada visita de Leo e Carlitos:

- Francesco, que está fazendo que ainda não está pronto?

- Claro que estou pronto, em um instante subo a montanha com o velho Di Giorgio.

- Mas como? Você não vai ao casamento do Pato Diaz?

- Como casamento do Pato? O pato nunca teve nem uma namorada!

- Nós também não sabemos, só passaram para nos avisar e disseram que nós três seremos as testemunhas do noivo!

Francesco atônito foi comunicar ao pai, para pedir-lhe permissão para ir, em um dia de trabalho, a fazenda dos Gutierrez, onde parecia que ia ser o casamento e o velho Di Giorgio lhe disse:

- Bom, se seu amigo se casa hoje, você tem mais que obrigação de estar presente!

E assim, partiu junto com Leo e Carlitos para a fazenda que ficava a mais de meio dia de viagem.

Ao chegarem, a festa já estava armada, a festa já estava armada. Muita comida, muitos convidados, o padre, a família Diaz, que por sinal portava uma expressão de descontentamento e resignação e a noiva, já pronta, vestida e maquiada. Identificaram-na pelo seu sorriso um pouco torto, que era a única filha mulher dos dez herdeiros de Álvaro Gutierrez, um dos povoadores mais temidos da região, pela sua fama de resolver seus problemas de forma um pouco inescrupulosa. Procuraram o amigo Pato por toda a festa e nada do amigo, mas já que estavam aí, com tantas mulheres, comidas e bebidas, que decidiram aproveitar.

As horas passavam e os convidados começaram a se perguntar se o noivo realmente viria, e igualmente estranhavam a ausência de Álvaro Gutierrez e todos os seus filhos, mas essa dúvida não pairou no ar por muito tempo, afinal, um dos irmãos da noiva apareceu dizendo que Pato Diaz estava pronto para casar.

Todos foram à capela e colocaram-se em seus devidos lugares. Nos primeiros bancos, à direita e à esquerda, as famílias dos noivos que agora se uniriam em uma só. A noiva, esperando em pé, à beira do altar, invertendo assim as posições tradicionais. Os padrinhos, Francesco, Leo e Carlitos, pelo lado do noivo e três senhoritas representando a noiva, postulavam-se já no altar, atrás e ao lado do padre.

Enfim apareceu o noivo, abatido, mancando, apoiado nos ombros de dois membros da família Gutierrez, vestido com um velho terno que notavelmente era grande demais para ele. Vendo o estado do filho, a senhora Diaz perguntou o que havia acontecido. Recebeu um olhar profundo do filho, mas uma resposta do velho Gutierrez:

- Nada. Apenas caiu do cavalo. Nada Grave.

Os três amigos se surpreenderam com a facilidade com que a mamãe Diaz aceitou a perceptível falsa explicação, e os dois irmãos deixaram o visivelmente desolado Pato, que mal conseguia sustentar-se sobre as próprias pernas, no altar ao lado de sua futura mulher, e escutaram a única palavra de seu amigo nesta noite, “sim”.

Estranhamente, como tudo nessa noite, Pato e a noiva, não se falaram e mesmo na hora do beijo, encontraram as bocas de forma rápida e constrangida. Pato teve, por toda a festa, integrantes da família Gutierrez como guarda-costas, que lhe enchiam o copo de uísque a todo instante e em pouco tempo Pato apagou e foi levado para dentro. A grande quantidade de bebida ajudou a descontrair todos os convidados e tudo acabou sem problemas.

***

Por muito tempo, quase três anos, os amigos não conseguiram falar com Pato, que se mudou para a fazenda dos Gutierrez e começou a trabalhar com o sogro. A distância de Mallín e o isolamento obrigado ao pobre Pato Diaz pelos Gutierrez impossibilitava qualquer forma de comunicação, até que um dia Francesco encontrou com o amigo e enfim pôde saber o que aconteceu.

Pato, que desde essa época conservava um expressão entristecida, comentou que em um dia como outro qualquer, estava dormindo em seu refúgio nas montanhas nevadas quando foi acordado com uma paulada que atingiu suas costas. Ainda meio dormindo, foi arrancado por vários homens de sua cama, e desnudo, levado para fora e jogado na neve e aí mesmo começaram a espancá-lo. Aturdido e sem saber o que acontecia, não tinha nem como perguntar o que estava acontecendo e só com o amanhecer do dia pôde identificar seus agressores: os herdeiros do velho Gutierrez, que assistia tudo a pouca distância.

Foi jogado, sem explicação nenhuma, sobre um cavalo e amarraram seus braços às suas pernas por baixo do ventre do animal e o cobriram com uma lona. Dolorido pela surra e pelas câimbras que a incômoda posição causava, Pato apenas rezava para ter sua vida poupada, afinal estava seguro que o estavam levando para um lugar onde pudessem se desfazer de seu corpo.

Após uma longa viagem, descobriram-no. Ele pôde perceber que estavam em um rancho e ouvia muitas vozes vindas de fora, mas não se atreveu a falar uma só palavra, afinal conhecia muito bem a fama do velho Gutierrez e por isso sabia que o velho não se intimidaria por um par de testemunhas. O velho disse:

- Você vai casar com minha filha, e não vai falar uma palavra sobre isso.

Pato, sentindo-se aliviado por saber que sua vida seria poupada, respondeu:

- Sim senhor, eu caso.

***

Somente algum tempo depois que o próprio Pato foi descobrir os motivos de tudo isso. Ana Gutierrez, agora sua esposa, havia saído da fazenda para terminar a escola fora da cidade e ao suspeitar de uma gravidez, voltou para sua casa, contou à sua mãe e pediu-lhe para guardar segredo e não contar ao velho Gutierrez. Por um tempo o segredo foi guardado, mas como a menstruação não veio, a pobre mãe não resistiu à pressão e contou ao pai da garota que não tinha mais que 17 anos.

O pai enfurecido e com a arma na mão foi conversar com a filha e a única palavra que saiu de sua boca foi:

- Quem?

A pobre e travessa Ana, muito assustada, sabia que tinha que dizer um nome, e sabia também que o nome do verdadeiro pai não resolveria visto que vivia muito longe dali. Mas havia dois garotos, mais velhos, que sempre despertaram sua atenção, o estudado Francesco Di Giorgio e o tímido Pato Diaz. Com todo o nervosismo não pôde lembrar o incomum nome italiano e lhe disse o único nome que lhe veio à cabeça:

- Pato Diaz.

***

Enganados estão todos que pensam que o sofrimento de Pato Diaz havia chegado ao fim.

Passado algum tempo do casamento, e depois de descobrir toda a história, Pato, ameaçado por toda a vida, já estava acostumando-se com a ideia e começando a aceitar o filho que viria e que não era seu, resignando-se a sua nova condição, mas o inesperado aconteceu: a menstruação veio e Ana descobriu que nunca havia estado grávida. Entretanto, isso não salvou a vida de Pato, que se não havia feito nada antes do casamento com Ana, já havia consumado o casamento, justificando agora outro motivo para não permitir-se a separação.

Mas nem tudo é desastroso na vida do pobre campesino patagônico, e apareceu uma grande oportunidade: ir trabalhar de vaqueiro nos Estados Unidos. Agarrou essa oportunidade e viajou para a América do Norte, deixando sua mulher e todos os Gutierrez para trás,  e todos os meses lhes mandava quase todo o dinheiro que ganhava, levando uma difícil, porém tranquila vida.

Tranquilidade que durou pouco. Depois de dois anos trabalhando sem ver nenhum familiar rosto chileno, recebeu uma notícia: sua esposa estava grávida e seu filho nasceria em poucos meses. Incrivelmente, e tristemente, Pato voltou dos EUA, reconheceu que o filho era seu, colocando nele o seu nome.

Mas as condições no Chile não estavam boas, e Pato teve que voltar a contragosto aos Estados Unidos, deixando dessa vez seu primo como responsável por cuidar sua esposa. Tudo correu bem pelos próximos dois anos, quando, sem explicar muito bem, sua mãe lhe disse que ele deveria voltar ao Chile urgentemente para resolver alguns problemas de família e sem obter de sua mãe maiores informações, voltou prontamente ao seu amado país. Encontrou sua esposa novamente grávida, de seu primo. Dessa vez, Pato não reconheceu o filho, chegando ao consenso de deixa-lo para adoção.

Pato decidiu não voltar mais ao país com idioma diferente do seu, e ainda hoje segue casado com Ana Gutierrez, que teve mais um filho, que dizem dessa vez ser realmente de Pato Diaz. Ainda vivem na mesma pequena cidade de Mallín Grande, às margens do Lago General Carrera, no sul da Carretera Austral, estrada construída em meio à fascinante natureza do sul do Chile pelo ditador Pinochet a cerca de 30 anos.

Pato já não busca outra vida, aceita pacificamente sua condição e, por poucas vezes, conta sua história com humor, que somente ele pôde conservar depois de tão difícil vida, atentando sempre ao fato de quem deveria estar casado era seu amigo Francesco Di Giorgio, que se salvou somente por ter um nome mais difícil de lembrar que o seu. E graças a Pato Diaz, conselho comum nessa região é nunca colocar um nome fácil em sua prole.

Acredito que nem mesmo Joseph Climber sofreu tanto, terminando sua vida como peso para papel.

Um abraço a todos,

Andejo.

2 comentários:

  1. Caro primo, historia fascinante de pato, Voltaire disse que a unica aventura do timido é o casamento,não se sei se isso é verdadeiro, mas ñ vo dizer kem está certo ou errado nessa historia, já o que acho certo o outro pode achar errado, digo apenas ou melhor pergunto a você, é destino ou foi prédeterminado desde o nascimento de pato essa vida que levou e leva ate hoje?



    abraços

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  2. Olá garoto, tudo bem? Estou sentindo falta de novas fotos. Pois cada nova foto que vejo é como eu estivesse de seu lado quando vc aperta o clique de sua maquina,assim me sinto mais perto de vc. Tire novas fotos, pode ser de qualquer coisa, isto já me basta.
    Abraços

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