O Andejo Vadio: Buenos Dias, Caballeros
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

sábado, 25 de junho de 2011

Buenos Dias, Caballeros

Mirador de las Aguilas - El Chaltén

Buenos días, caballeros. Señoras ¿Cómo les va? Fria manhã em Cerro Castillo, cidade localizada ao sul de Coyhaique, capital de Aisen, XI região do Chile. Estou de passagem por aqui, acompanhando um amigo que está visitando cada pequena vila entregando óculos de grau aos moradores, que dificilmente teriam acesso a esse tipo serviço se não fosse os esforços dos médicos que visitam cada rincón dessa isolada parte do sul do Chile, unida pela famosa, e mais impressionante do que se pode imaginar, Carretera Austral. É impressionante a formalidade deste povo que sempre trata às outras pessoas através de Don ou Señora. Imagina só, Don Demente – outro dia conto a história deste apelido, ou descubram por si só! Mas todas essas são histórias para mais tarde e que virão com muitas outras em uma semana que promete ser das mais agitadas neste blog. Se não querem se perder, estejam atentos! Buscando um mínimo de coesão, sigo em ordem cronológica e por isso, ainda falta explicar-lhes como cheguei aqui e como foram os desanimados dias que precederam o retorno da paixão que tinha pela estrada no começo desta história.
...

Após resolver todos os trâmites pendentes que diziam respeito ao capotamento, gastei mais alguns dias na cidade. Encontrei no mercado um brasileiro que havia conhecido no trekking para a base das Torres del Paine, e convidei-o para jantar conosco, no que seria o jantar de despedida das meninas, ao mesmo tempo que seria um jantar com especial significado religioso para a judia francesa. Depois disso, a busca por um bar para uma merecida e necessária cerveja.


No dia seguinte houve uma festa em comemoração ao centenário de Puerto Natales, que muito se pareceu a um carnaval de rua no Brasil, com carros alegóricos que muito - ou pouco, em alguns casos – tinham a ver com a cultura local. Para somar, havia ainda diversas bancas de comidas típicas locais e provamos diferentes tipos de choripan (pão com linguiça), empanadas e tortas fritas.

Enfim deixei a cidade, mas, enrolado como sou, somente comecei a pedir carona às 18 horas, já escuro nessa região. Por sorte, o primeiro carro que passou me levou até Cerro Castillo – outra cidade de mesmo nome que a atual, só que muito mais ao sul – e neste lugar cruzei a fronteira. Problemas: a fronteira argentina fica a 7 km de distância da aduana chilena, e em todo o dia passou somente um carro por ali, ou seja, tive que caminhar. A princípio caminhei com a luz da lanterna, mas depois caminhei na completa escuridão da noite sem lua, até alcançar a aduana argentina. Desde aí teria 6 km mais até a ruta 40, estrada que liga a Argentina de norte a sul, entretanto, não encontraria nada mais que asfalto e grama a menos de 60 km. Portanto, conversando com os militares da Gendarmeria, oficiais responsáveis pelas fronteiras, consegui um lugar para passar a noite ali mesmo.

Era a antiga sede do passo fronteiriço, que agora, abandonado, contava com vários cômodos vazios, algumas peles de carneiro jogadas pelos cantos e uma cama velha com um colchão que não estava em tão mal estado. Dormi maravilhosamente bem após tomar uma sopa quentinha, bem aquecido dentro do saco de dormir, acordando somente com a luz do sol, às 10 horas da manhã! Levantei-me e caminhei os 6 km restantes até a estrada. Em alguns momentos fui acuado por imensos rebanhos de vacas que me olhavam ameaçadoramente e mugiam em conjunto, aparentemente com o objetivo de amedrontar um possível predador, o que fizeram com extremo sucesso – os bezerros e as vacas mugiam enquanto se apressavam em se afastar, enquanto os touros com seus grandes chifres levantavam a cabeça e se viravam em minha direção, dando a sensação de que em qualquer momento, ou movimento em falso que eu desse, partiriam correndo em minha direção. Quem será que correria mais rápido: o touro enfurecido ou eu com minha tralha que totaliza 30 kg?

Felizmente cheguei a salvo à ruta 40, sem que nenhum touro sacana tirasse minha vida e aí esperei algumas poucas horas até conseguir uma carona direta a El Calafate, o que certamente foi um golpe de sorte! Algumas horas de viagem e eu entrava na linda pequena cidade, casa de pouco mais de 17 mil pessoas, e caminhando sem destino encontrei o hostel mais barato que conheci em minha vida, 25 pesos argentinos por noite, sendo a terceira noite grátis – totalizava cerca de 6 reais por noite – com café da manhã e wi-fi.

Passei bastante tempo neste hostel, num misto de preguiça e desânimo de seguir, acredito que quase 20 dias, e nesse tempo conheci alguns personagens: Eduardo, o dono do hostel, é uma boa pessoa, mas com uma personalidade difícil, como descobri ao final. Joel e Raul, dois moradores do lugar provenientes de Missiones, a província mais ao norte da Argentina, onde está a parte argentina das Cataratas do Iguaçú, são simples e confiáveis. Pablo e Sol, que saíram juntos de Ushuaia e fizeram a primeira parada de uma viagem, que como a minha, não tem data para terminar e, por fim, Ana, Tássia, Tamires e Marcela, quatro garotas brasileiras que faziam turismo na região junto com uma francesa, duas suíças e um sueco.

No segundo dia em El Calafate, tentei sem sucesso ir de carona ao glaciar e no terceiro dia, em teoria meu último na cidade, resolvi pagar pelo transporte. Valeu cada centavo. Depois de ver tantas belezas, pensei que, por mais que sempre apreciasse lindas paisagens, não iria me surpreender tanto novamente. Que ingenuidade. Um glaciar de 5 km de largura na parte frontal, formando uma parede de até 60 metros de altura e 200 km de extensão, surpreendeu-me de forma surpreendente, e tirei mais fotos do que um japonês tiraria, mas ainda sem obter êxito na tentativa de demonstrar o que meus olhos viam. Blocos imensos de gelo se desprendiam da imensa parede e caiam no lago formado somente a partir do degelo natural do glaciar, fazendo ruídos muito altos e calando as vozes dos turistas distraídos, roubando toda a atenção pelos segundos que durassem a reverberação. Conheci um inglês e compartimos o que tínhamos para comer – ele, uns pães que roubou de seu hostel no café da manhã, eu, duas cenouras!





Cheguei à cidade com o objetivo apenas de conhecer o Glaciar Perito Moreno e logo seguir viagem, mas fui ficando um dia a mais e mais um dia depois desse, e assim a cada vez e fui fazendo amizades. O primeiro foi o dono do hostel e logo lhe perguntei se tinha já uma página na internet e, recebendo uma resposta negativa, propus-me a fazer um blog. Entretido com os afazeres, fiquei uns dias mais e por isso conheci a Pablo e Sol, duas pessoas incríveis que saíram para viajar sem data para terminar. Eles também ficaram mais dias que o previsto e assim fizemos uma grande amizade. Pablo tem exatamente minha idade e é um artista. Malabarista, artesão e massagista, usa seus diversos conhecimentos para poder viajar, desde trabalhar de branco em um hotel massageando madames, até se sujar todo de fuligem enquanto está fazendo malabares com fogo no sinal. Sol é um pouco mais nova e está agora aprendendo também as profissões de Pablo – adorei ser cobaia nas aulas de massagem!


Logo que Pablo e Sol se foram, preparava-me também para enfim deixar a cidade, quando chegaram as brasileiras e seus amigos. Como é bom cantar uma canção e pelo menos uma pessoa conhecer a música! Matei a saudade de falar português e sentir a energia do povo brasileiro foi revigorante. Sem contar que poder desfrutar da culinária mineira estando tão longe dessa terra é maravilhoso! Eduardo então me fez uma proposta: convidar as garotas a ir a El Chaltén, uma pequena cidade próxima, em uma excursão e me daria uma porcentagem do valor arrecadado. Pareceu-me fantástico, visto que eu queria conhecer a cidade e não tinha grana para isso. Ir de graça já estava bom, ganhar para ir, melhor ainda. Conversei com as garotas e elas ficaram de pensar já que teriam voo marcado e não teria tempo suficiente, entretanto, como o vulcão no Chile estava ativo cobrindo os céus argentinos de cinzas, poderiam não embarcar e assim pensar na possibilidade.

Descobri por Eduardo, dias depois que o voo realmente havia sido cancelado e que as garotas iriam realmente para El Chaltén com ele, e ele me disse para ir junto. Embarquei contente, por que, por mais que eu imaginasse que não ganharia nada por não haver sido eu quem fechou afinal o negócio, ao menos iria também sem pagar e, no dia seguinte, embarcamos à mais nova cidadezinha da Argentina. Fizemos um lindo trekking nas montanhas que levavam a um dos pontos de observação do Fitz Roy, imponente montanha argentina, mas que infelizmente não pudemos vê-la desde aí, já que o tempo estava fechado além de bastante nevada – alguns caminhos inclusive congelados, que, na volta, eu e Tibo, o suéco, deslizávamos usando-os como tobogã. Tibo se foi nesse mesmo dia, e passamos uma noite, eu e as sete garotas, num quarto contando historias de terror! Devo enforcar-me se digo que não aconteceu nada? Quando digo que sou um santo não acreditam!












Voltamos a El Calafate e no dia seguinte as garotas se foram em ônibus a Buenos Aires porque os aeroportos continuavam fechados. Depois que partiram, fui arrumar minhas coisas e acertar as contas. Perguntei a Eduardo quanto lhe devia e me disse 150 pesos por 9 noites. Confundi-me e lhe disse que já havia pagado 100 pesos – o que realmente havia feito, mas que correspondiam a noites anteriores as que se referia ele – o que logo depois ele esclareceu e eu concordei, estando ele, de fato, certo. Ele me havia também emprestado 200 pesos na viagem, para não nos atrasarmos passando no banco, e afirmou que essa quantia eu não precisava lhe devolver, e assim como os 25 pesos da noite que passamos em El Chaltén, em uma das cabanas de seu filho, ficando esse valor como pagamento por haver convidado as garotas, como ele me havia prometido. Disse-lhe que não precisava, visto que eu não tinha feito muito ao final, porém ele insistiu e eu aceitei. Pediu-me também para colocar um preço no blog, o que recusei alegando que não havia feito pensando em cobrar, e, dada sua insistência, disse-lhe que pagasse o que lhe parecia justo. Novamente recusou.

Sem ter ideia do que valia o blog, não sabendo assim o que cobrar, perguntei a um amigo que trabalha com isso na Argentina, quanto ele cobraria para fazer o mesmo serviço, mostrando-lhe o blog. Respondeu-me que não menos de mil pesos. Decidi então, cobrar a metade de Eduardo, que descontando o que teria eu que pagá-lo pelos dias de hospedagem, me pagaria cerca de 350 pesos, ou, 140 reais. Contente por recuperar todo o dinheiro que havia gasto nesses dias na cidade, fui conversar com Eduardo, começando a lhe explicar o que meu amigo me havia dito, e quando lhe disse que o blog valia mil pesos, se alterou e me deu as costas, não esperando nem eu lhe falar que lhe cobraria apenas a metade disso. Disse-me que lhe haviam oferecido fazer um site profissional por esse preço, sem, em nenhum momento, deixar-me explicar que lhe cobraria a metade. Ofendido, perguntei-lhe quanto achava que valia e ele novamente disse que era eu quem deveria colocar o preço. Já bastante chateado, disse-lhe que apenas trocaríamos o blog pelos dias estadia que me faltavam pagar e fui dormir.

No outro dia decidi algo distinto, que apagaria o blog, que por sinal havia demorado muito para fazer, e que lhe pagaria o que lhe devia, já que agora ele considerava ruim o blog que tanto havia elogiado. Pedi para conversar em particular e ele negou, e ao explicar-lhe, em frente a Raul, meus motivos para tal decisão, dizendo-lhe que me havia ofendido com suas afirmações e tom de voz, novamente não me deixou terminar, dizendo que era eu quem lhe havia causado uma grave ofensa, ao tentar roubar-lhe dinheiro, quando tentei de forma intencional, segundo ele, enganá-lo, dizendo que já lhe havia pagado parte de minha estadia quando na verdade não o havia feito. Sem palavras e, agora sim ofendido de verdade tentei em vão argumentar, mas, como já era de praxe, não escutou uma só palavra. Engoli em seco tentando me acalmar. Busquei minhas coisas e lhe dei 200 pesos, todo o dinheiro que tinha em minha carteira e escutei de forma surpreendente: e a viagem a El Chaltén, você não pensa em pagar? Com lágrimas nos olhos e sem um peso comigo para ao menos pagar-lhe por orgulho, despedi-me de Joel e Raul, levando de El Calafate, além das boas experiências, dos dias de desânimo e das lindas paisagens, a primeira acusação de roubo de minha vida.

Caminhei vários quilômetros chorando; por meu nome, pelas falsas acusações, pelos nervos, pela saudade, por toda carga que vinha carregando, segurando minhas emoções nos últimos tempos, desde que ficamos sem bateria no parque, mais tarde tratando de acalmar as garotas após capotar, colocando-me também como reconciliador após elas discutirem no alto da montanha ou após pagar por um seguro mais do que gasto em dois meses de viagem.

Mesmo não tendo feito nada do que havia sido acusado, pedi a Eduardo perdão pelas ofensas que lhe havia causado e escutei: “O que fez não tem perdão, conheci vários brasileiros e você foi o primeiro mau-caráter. Ainda mais depois de tudo que fiz por você.” Basicamente, depois de humilhar-me, buscando a humildade que manda a sabedoria, fui pisado. Mas no caminho, saindo da cidade, mesmo muito chateado e ofendido, percebi que mesmo que ele não tenha pedido perdão, ou mesmo que ele não tenha ao menos consciência das ofensas que me causou, senti pena, e lhe perdoei. Hoje, tenho a impressão que mais triste que ser ofendido, é ofender, é fazer acusações vazias, ou julgar baseando-se em falsas premissas ou apenas em impressões de uma realidade que na verdade não existe.

Percebi que a melhor forma de ficar bem comigo mesmo não era através da raiva, da mágoa, da ira e decidi, não somente deixar o blog no ar, mas também terminá-lo, melhorá-lo, além de, não importando o que é justo e aceitando o julgamento de quem se considera juiz, encontrar uma forma de pagá-lo pela viagem a El Chaltén.

Quantas coisas aconteceram nesse curto período. Levo dessa parte do mundo muitas lembranças, boas e más. Vivi ali o único período em 18 meses que pensei em desistir e voltar ao velho mundo em que vivia. Vivi meu primeiro acidente de carro. Conheci pessoas fantásticas e vivenciei com elas coisas que nos conectarão, independente de nossas vontades, pelo resto da vida. Como vou esquecer-me da expressão do rosto de minha nova amiga alemã, instantes depois de capotar o carro, ainda flutuando, pendurado pelo cinto de segurança? Como vou esquecer o fato de haver sido acusado de roubo, poucos momentos depois de ter sido chamado de quadrado por uma amiga, após a reprimir por haver cometido um pequeno roubo, a seu ver, sem importância?


Mas, sem dúvida, vou levar dessa inesquecível região de paisagens únicas, um grande aprendizado. Afinal, não é isso que venho sempre buscando?

Um grande abraço a todos,

Andejo.

5 comentários:

  1. Ééé..."o preço que se paga as vezes é alto demais" como já diziam meus amigos Engenheiros do Hawaí... Mas das coisas boas e coisas ruins o que é que a gente ganha? Experiência! E aprendemos que algumas pessoas simplesmente não tem a capacidade de ouvir, de compreender, de resolver as coisas na paz. É por isso que esse mundão tá assim, cheio de violência: pura falta de comunicação. Parabéns por transformar cada segundo em aprendizados eternos! Um beijo, saudade!Carol Martins

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  2. Meu GRANDE primo, as experiencias nem sempre vem como a gente imagina, mas não nos devemos baternos por isso, afinal vc busca isso, mesmo sendo acusado de roubo inda por nã haver feito nada, mas as pessoas ainda tem muito a aprender não importando a nacionalidade, siga em frente e vá em busca do que procura, vc fez o bem, vc fez o que devia ser feito, a justiça é cega e vc abriu os olhos da justiça....
    Acredite ainda encontraras muito disso no mundo, e aonde fores mas não desanime por mais quer isso nos leve uma sensação de humilhação ou injustiça temos que acreditar que algum dia isso mudara...VA EM BUSCA DO QUE PROCURAS.

    "QUEM PROCURA ACHA!"

    abraços e ate a proxima =]

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  3. OLHA NEM TUDO É PERFEITO...

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  4. Ao olhar essas fotos de El Chaltén sinto arrepios. Quando penso na Patagônia, logo me vem os bons momentos nesse pueblo! Belo blog!
    Abraços

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  5. Querido filho, não sei se isto doi mais em vc ou em mim. Sei e conheço quem é parte de mim.
    Saiba meu filho, um homem que age com tanta crueldade, com certesa é uma pessoa infeliz,inrealizada,sabe-se lá o que ela já passou na vida, mas nada justufica a sua atitude. Acredito em vc completamente. Sabe filho, não importa quanto a gente aprende, sempre terá que aprender mais.Vc é parte da verdade que sempre preguei e acreditei, tenho orgulho da onestidade que meus antepassados trouxeram da Itália em que meu pai herdou e a mim passou e se estendeu a vc e com certeza perpetuarana nossa futura geração. Abraços de seu pai que muito confia e muito lhe ama.

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