O Andejo Vadio: Meus Melhores Piores Dias...
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Meus Melhores Piores Dias...

Torres del Paine

Cada dia mais difícil fechar a mala e seguir viagem, deixei Punta Arenas rumo à Puerto Natales e em pouco mais de 3 horas de estrada alcancei meu novo destino e logo fui em busca do hostel Erratic Rock, no qual me receberia Bill, mais um amigo de minha prima Sheila, que também foi a responsável pela minha cômoda estadia na casa dos grandes Dusan e Anahí, mas, antes de encontrá-lo fui abordado na deserta rua principal da pequena cidade. Três garotas, Maria, espanhola, Susanne, alemã e Shoshana, francesa me pararam na rua, cerca de onze da noite e a primeira coisa que falaram foi: "Que vai fazer amanhã?"  

Conversamos e, em pouco tempo, convenceram-me a alugar um carro com elas para juntos irmos ao parque Torres del Paine na manhã seguinte - dividir o aluguel era vantajoso para elas e para mim, afinal sairia mais barato pagar 1/4 do carro do que pagar uma excursão e combinamos de nos encontrar na manhã seguinte - e então me acompanharam ao hostel. As três são intercambistas que estão estudando em Santiago, e estão matando aula para fazer uma viagem de despedida para Susanne que irá voltar a Alemanha em pouco tempo.

Bill, um personagem. Americano nascido no estado do Oregon, decidiu, depois de viajar e morar em diversos lugares do mundo, abrir um hostel nessa pequena cidade que vive do grande movimento turístico gerado por Torres del Paine, considerado um dos parques nacionais mais bonitos do continente sulamericano. É responsável por receber turistas e mochileiros do mundo todo e o faz com seu espanhol com forte sotaque estrangeiro. Cara vivido, tranquilo e muito boa gente que me recebeu como família.

Carro Alugado

Guanaco, visto em toda patagônia.


O dia seguinte amanheceu ensolarado, tempo propício para visitar o parque. Pegamos o carro, conseguimos até um bom desconto, compramos comida, afinal decidimos passar uma noite no parque e pegamos a estrada. Duas horas foram suficientes para chegar e na primeira fascinante paisagem paramos para tirar algumas fotos. Parada rápida, não mais de 15 minutos, e voltamos correndo para o carro para fugir do frio, mas o carro não pegou - a bateria estava morta. Descemos com o carro desligado por um pequeno vale até perto de um rio onde havia uma bifurcação e decidimos esperar ali por ajuda, entretanto ela não veio e ali tivemos que passar a noite. Conversamos, dançamos, comemos, caminhamos no escuro - longas noites de inverno na patagônia austral - tocamos violão, contamos estrelas e tudo mais o que podíamos fazer para passar o tempo.  Quando o frio se tornou insuportável, entramos todos no carro e organizamos tudo para estar o mais confortável possível - levantamos os bancos, empilhamos as mochilas, forramos o piso -  e conseguimos alcançar ao menos a categoria "muito desconfortável".

Sem bateria.

Em um momento de introspecção comecei a pensar como havia chegado ali, o que fazia ali e como são loucas as coisas que as viagens me proporcionam. Em uma noite estava em uma casa confortável em momentos preguiçosos na companhia de dois calmos chilenos, e na noite seguinte, dormindo num carro alugado, sem bateria, no meio de um dos mais extensos parques nacionais que existe com três loucas europeias. Essas mudanças bruscas de realidade são como uma história sem coesão e tenho muitas vezes a impressão que atravessei um túnel e saí em outra realidade.

Dormi no encosto dobrado do banco, mas não mais desconfortável que as garotas que se espremeram em outras partes do carro - sempre tinha um cotovelo na cara de alguém, ou quem sabe um joelho nas costas e quando necessitávamos nos esticar tínhamos que fazer uns por cima dos outros - e como era de se esperar não foi a noite de sono mais restauradora do mundo. Pela manhã não encontramos sinais de que alguém houvesse passado por ali e decidimos que deveríamos buscar ajuda. Escrevemos um bilhete dizendo aonde iríamos, deixamos no carro e seguímos caminhando à Laguna Azul com esperanças de encontrar alguém que pudesse nos auxiliar. Caminhamos algumas horas e encontramos um guarda parque que chamou a locadora de veículos e convidou-nos a esperar aquecidos dentro de sua casa até que chegasse o socorro.


Outro tipo interessante. Um ano mais velho que eu, Rafael cresceu no parque, na companhia de outras cinco crianças. Depois de se casar, mudou-se para a cidade, mas essa mudança não lhe fez bem, arruinou seu casamento e então voltou ao parque, onde passa vários dias isolado e estranhamente se sente melhor aí que em seus poucos dias de folga quando desce à pequena Puerto Natales. 

Shoshana, Susanne, eu e Maria

Na metade da tarde o socorro chegou e ficamos indignados em, além de ter perdido quase dois dias, ainda ter que pagar pelo conserto do carro. Discutimos e chegamos há um acordo aceitável, ficaríamos uma noite mais no parque, mas perdemos uma integrante, Shoshana, que decidiu voltar a Natales e não subir, no dia seguinte, até as base das Torres em um trekking de 8 horas, ida e volta. Voltamos à Laguna Azul e fomos convidados por Rafael a dormir em sua casa, o que nos salvou de outra dura noite de frio e desconforto. Ainda nos convidou a jantar e nos preparou uma fantástica comida caseira, contrabalanceando a má sorte anterior.

Anoitecer em Laguna Azul.

Felizes por finalmente estar perto de subir ao mirante, nos despedimos do guarda parque na manhã seguinte e  subimos no carro torcendo pra que pegasse. Pegou. Fui dirigindo me divertindo provando a tração das 4 rodas nos buracos cheios de água e gelo das estradas de terra e pedras no interior do parque até que paramos novamente para tirar outras fotos mais. 

Pré acidente.

Não, felizmente não ficamos novamente sem bateria. Perguntei a Susanne se queria dirigir e ela aceitou. Após uma curva em declive, passamos por muitos buracos consecutivos, ela perdeu o controle e saímos da estrada. Em meio a gritos - tudo aconteceu muito rápido - ela voltou a girar o volante na direção contrária para voltarmos ao curso correto, mas o carro rodou e capotou. Susanne e Maria tiveram um ataque nervoso, e enquanto Susanne ameaçava chorar com uma cara muito assustada, Maria ria sem parar. Eu, flutuando preso pelo cinto de segurança, agradecia por haver pedido para Maria colocar também o cinto no banco de trás e pedia para Susanne acalmar-se e desligar o carro, já que vazavam óleo e combustível. Ninguém teve sequer um corte e saímos todos pelo teto solar do veículo que estava deitado na estrada. Maria, já muito mais calma me ajudava a tentar a acalmar Susanne, que ainda estava muito nervosa e se culpava pelo que aconteceu enquanto dizíamos que havia sido um acidente, que poderia haver passado a qualquer pessoa. Poucos instantes depois, uma caminhonete com um funcionário de um hotel da região passou por ali e nos ajudou a desvirar o carro. Os pneus estavam destruídos, assim como um dos retrovisores, além do combustível e do óleo que vazou, e não poderíamos continuar, não com o automóvel.

Susanne. Momentos pós-acidente.
Desvirando o carro.
Low Battery and Fucked

Em uma rápida reunião para avaliar a desastrosa viagem ao parque que possui corretamente a fama de ser inesquecível, ponderamos todo o dinheiro que teríamos que pagar pelos danos, MUITO, e tudo que havíamos visto do parque, NADA. Creio que é importante comentar que Susanne queria se responsabilizar sozinha pelos custos, mas eu e Maria rechaçamos imediatamente a ideia, afinal todos nos responsabilizamos quando decidimos alugar juntos o carro. Nesse momento chegamos somente a um consenso, subiríamos ao mirante do mesmo jeito, como uma última tentativa desesperada de fazer essa viagem valer a pena. Pedimos então ao senhor que nos ajudou que chamasse novamente à locadora de veículos e avisasse sobre o acidente e pedimos que nos viessem buscar às 7 horas da noite, horário que já deveríamos haver voltado ao hotel onde começa a trilha.

Hotel Las Torres
Começando a subida.

Começamos a subir, e subir, e subir, e a cada instante tinha a impressão que não voltaríamos a tempo, mesmo assim continuamos. Fizemos a primeira parte em um tempo inferior ao estipulado e isso nos motivou a seguir, combinamos de caminhar até o próximo acampamento e então reavaliar o tempo restante para saber se subiríamos ou não até o mirante. Novamente fizemos em menos tempo do que pensávamos, mas da mesma forma não sobrava muito tempo. Susanne queria voltar, Maria queria seguir. Eu queria seguir mas achava que tínhamos que voltar. Decidimos subir apenas um pouco a parte mais íngreme onde pararíamos para comer com uma visão um pouco melhor das Torres, que já pareciam tão próximas. 

Entretanto, quando começamos a subir, Maria decidiu seguir e Susanne se revoltou, acusando Maria de egoísmo, e as duas começaram a discutir. Depois da discussão Susanne começou a subir mais rápido, enraivecida e com o objetivo de ficar sozinha, e Maria, observando sua reação, decidiu que não tinha mais vontade de subir porque não estaríamos todos felizes lá em cima. Por que as mulheres são tão complicadas? Conversei com Maria, e depois com Susanne e elas voltaram a ter uma conversa onde pareciam haver ajustado as coisas, ao menos parcialmente e seguímos a subida. Para ajudar, o caminho piorava a cada vez, com gelo e muita neve cobrindo todas as pedras, não nos permitindo portanto, saber onde pisávamos, o que nos atrasava ainda mais. 

Terminando a subida.

Ao avistar um trecho que parecia bastante difícil, ao mesmo tempo que não avistava o final da trilha, pedi para que esperassem que eu verificasse o caminho e se parecesse muito difícil, voltaríamos daquele ponto. Caminhei apressadamente na neve, saltando pelas rochas quando possível e em não mais de 5 minutos cheguei ao final da trilha. Nem olhei a paisagem e assim como fui, voltei até onde tinha deixado as garotas. Com minha afirmativa, seguímos e pouco depois chegamos enfim ao "Mirador de las Torres" e pela primeira vez desfrutei uma linda paisagem no alto de uma montanha acompanhado de alguém. 


Nesse momento, esquecemos dos problemas, dos conflitos e sentimos que não importava as dificuldades que havíamos passado, sentíamos que havia valido a pena. Uma linda lagoa de águas de um azul-esverdeado intenso, cercado de montanhas nevadas, contrastando com o azul do céu que poucas nuvem tinha, tendo como protagonistas as três torres que dão nome ao parque que justifica a visita de milhares de visitantes a essa erma parte do planeta, um pedaço do chile isolado do mundo, onde a natureza é respeitada e preservada e é capaz de fascinar qualquer pessoa, não importando o que haja visto ou provado anteriormente, dada sua magnitude.


Ao descrever essa cena, as imagens e sentimentos voltam à cabeça e me sinto cansado em lembrar que ainda teríamos que percorrer novamente todo o caminho. Com pouco tempo, visto que o sol já estava baixo, começamos a caminhar. Nas partes mais fáceis comumente corríamos e voltamos incrivelmente rápido até o seguinte acampamento, e com cada vez menos luz, já tivemos que acender as lanternas para percorrer a última parte. Aos poucos o céu enegrecia e, uma por uma, saltavam as estrelas na noite sem lua. Estávamos indo bem, chegaríamos no horário. Enfim terminamos o trekking, chegamos à planície, entretanto, na parte mais fácil do percurso, nos perdemos pela completa falta de visibilidade, e depois de diminuir quase pela metade o tempo estimado de descida, perdemos cerca de 1 hora e meia em um caminho que deveria tardar não mais de 10 minutos e ao chegarmos ao hotel, o socorro já havia partido com todas as nossas coisas, deixando-nos somente com a roupa do corpo e nenhum equipamento. Pedimos abrigo no hotel e nos deram uma refeição que nesse momento parecia um banquete, arroz com ovo e salsicha, além de nos darem também um lugar quente para dormir, que foi um dos quartos de empregados, já que o hotel estava fechado. 

Enfim, no dia seguinte, com duas caronas, voltamos a Puerto Natales. Fomos à locadora e pagamos os prejuízos. Tenho quase certeza que nos cobrou mais do que deveríamos pagar, mas nenhum de nós estava disposto a ficar na cidade para verificar nossos direitos e afinal, tivemos que pagar menos do que imaginávamos, por mas que tenhamos pagado muito. Pra quem já estava no limite dos gastos esse foi um duro golpe, entretanto não me sinto no direito de reclamar. Em um ano e meio de viagem, posso dizer que essa foi a única coisa ruim que me aconteceu, e os prejuízos foram somente financeiros. Além de mais uma inesquecível história pra contar para os meus sobrinhos quando eu voltar, posso dizer que fiz amizades pra toda a vida, que independente das diferenças das pessoas que estiveram ali dentro do carro nesse dia, e que depois subiram juntos essa montanha, estreitamos e embasamos um laço de amizade, confiança, solidariedade e respeito mútuo. Tenho certeza que quando olhar o passado, lembrarei dessas pessoas com admiração, que é a base de oitenta por cento de minhas amizades. Posso dizer então, quem sabe, que esses foram os melhores piores dias dessa viagem que completa hoje 18 meses.  

Neste momento estou em El Calafate, passei 15 dias aqui. Visitei também El Chaltén. Mas essas são histórias pra uma próxima postagem, afinal, tanto isso que contei hoje, quanto o que vivi nos últimos dias, merecem atenção especial e capítulos diferentes. Amanhã devo seguir ao norte, enfim em direção à Carretera Austral, a famosa estrada no inóspito sul chileno construída por Pinochet, espero não ter problemas com o vulcão...

Grande abraço,

Andejo.

6 comentários:

  1. Muy bien elegido el título del post, no? Al final uno siempre rescata las cosas bonitas que le suceden, a pesar de los malos ratos. Eso sí, Carlinhos... la próxima andá a pie! jaja Un abrazo grande desde acá, se te extraña!

    Mario (el novio de Chuli)

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  2. Un agregado más: la próxima sin auto y sin mujeres! jajaja

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  3. Meu caro primo, sinto pelos seu problemas, mas em minha opnião quando mais dificies as coisas, no fim nos da mais orgulho de nós mesmo,e como vc relatou vale realmente e pena, afinal o que seria da vida sem problemas?
    Meu caro primo, sei que você já pode ter vencido a maior de todas as batalhas ( a de si mesmo) e agora enfrenta o mundo, lugares que tem seus proprios desafios, sinto que cada dia mais vc percebe seu orgulho crescer e surpresa de perguntar - toda noite aonde esta estara na proxima noite, mesmo num carro apertado com 3 europeias, mas acredito que isso o deixe feliz, é realmente são historias ñ somente para seu sobrinhos mas para todo aquele que deseja ouvir um homem que tenta conseguir sabedoria e consquistar o mundo!
    O passodo forma o futuro.....

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  4. Abraço meu filho,estou com saudade mas me alegro pela sua coragem e sua realização.
    Deus o abençoe.

    Pai,

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  5. Ola caminheiro...gostei do seu blog... realmente como alguém jé disse: "não há saída e nem chegada, só há o caminho".
    God Bless!

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  6. Poxa, foram varias noites lendo toda aventura cronologicamente desde do inicio, torcendo para que tudo terminasse bem e terminou assim sem mais nenhum posto nem o desfecho da aventura!!!

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