O Andejo Vadio: Expedição ao Fim do Mundo
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"I always wonder why birds choose to stay in the same place when they can fly anywhere on the Earth. Then I ask myself the same question."
(Harun Yahya)

domingo, 22 de maio de 2011

Expedição ao Fim do Mundo




É sempre difícil saber que título colocar em um texto e normalmente deixo isso pro final, extraindo do próprio corpo, sua cabeça. Dessa vez, inverti a ordem dos acontecimentos: comecei pelo título. Um título que já tinha guardado há muito tempo e que tinha um sabor todo especial, carregado de sentimento, que se aflorou no momento em que escrevi essa seqüência de palavras no espaço destinado à dar nome a um conto de fadas. Minhas mãos suadas começaram a tremer. Não podia identificar se meu peito iria explodir ou implodir e em minha cabeça, ao invés de palavras, lembranças.

Essa história começou muito antes de maio de 2011, sendo imaginada desde os primórdios de minha adolescência no ano 2000, quando comecei a sentir que o mundo me chamava a descobri-lo, e a ser escrita quando caiu a primeira gota de tinta no papel em 26 de julho de 2007, quando senti enfim que o momento havia chegado. Nesse dia, impetuosamente avisei meus pais; no dia seguinte deixei o trabalho e entreguei meu apartamento, e no terceiro, 28 de julho, liguei para meu amigo, Danilo e lhe disse: "Dae velinho! Lembra que eu te disse que um dia eu saberia que chegou a hora de viajar? Então, esse dia chegou, estou indo agora mesmo."

Com minha grande mochila já dentro do carro dos meus pais que com os olhos molhados me levariam à estrada onde arriscaria minha primeira carona, encontrei o Paquito, apelido do Danilo, na frente do Shopping Curitiba que incréculo me perguntava: "Está falando sério cara?  Caramba, sua mochila já está no carro? Putz, é um Demente mesmo! Boa sorte carinha!" - Lembra Danilo? Foi realmente assim ou minha imaginação estra distorcendo as coisas? - E assim a minha primeira carona, a dos meus pais até a beira da estrada - que ao final me levaram até o litoral onde tomei a balsa para a Ilha do Mel - se transformou no primeiro capítulo da história que hoje lhes conto.

Bom, hoje eu lhes conto um capítulo mais avançado da história da minha vida, da história sobre o que faço, da história sobre o que sou, e esse capítulo começa no dia em que desci das Montanhas de Bolson.

O interessante das viagens é que nossa vida se transforma em um filme de Hollywood, daqueles que damos risada e debochamos da inacreditável e inverossímil sucessão de desafios que os protagonistas tem que enfrentar. Não que eu esteja cercado de aventura e de mulheres bonitas lutando por minha vida - tenho que assumir que alguns dos desafios são altamente entediantes e nada interessantes  - mas mesmo assim, esses desafios têm que ser superados. No caso, cruzar o sul argentino de oeste a leste, através dos 822 km de estradas quase desertas que separam a cidade andina de El Bolsón e a cidade costeira de Puerto Madryn. 

Depois de uma bela caminhada matinal, dessa vez com todo o peso da mochila, começei a saga ao fim do mundo, com escala no paraíso das baleias. Com algumas caronas rápidas cheguei a pequena cidade de Tecka, perdida no meio do cenário desértico que tanto encontrei no sul argentino. Neste local, fiquei por várias horas esperando em vão por alguém que me levasse rumo ao oriente. Com receio às baixas temperaturas, caminhei até o único posto de gasolina da cidade para me abrigar em seu interior e ali, por sorte, encontrei um caminhoneiro que passaria por Puerto Madryn no dia seguinte, perfeito! Paramos para dormir em uma cidade ainda menor chamada Los Altares e combinamos que as 4 e meia da manhã seguiríamos viagem, fui então buscar um local para dormir. Encontrei um depósito aparentemente abandonado e imaginei que até as quatro da manhã ninguém me encontraria ali, até porque a escuridão do local não permitiria visualizar meu saco de dormir jogado em um dos cantos, e assim aconteceu. Tremendo de frio e com dor nas mãos, fato corriqueiro nesses dias frios, guardei meus equipamentos e reordenei a mochila e pouco antes da hora combinada fui buscar o caminhão, e não o encontrei. Xingando até a 4ª geração do caminhoneiro - ascendente e descendente - que além de haver me deixado para trás, fez-me levantar num frio extremo às 4 da manhã, fui novamente para o meu discreto canto onde esperaria amanhecer.

Fui supreendido por um surpreso frentista que me viu com a fraca luz de seu isqueiro, e assustado deixou o depósito enquanto me fingia de morto, completamente fechado e imóvel dentro do saco de dormir - tinha certeza que voltaria em pouco tempo com a polícia, rs! Isso não aconteceu e poucas horas depois seguia de carro a Trelew, onde tomei um ônibus para percorrer os poucos quilômetros restantes até a cidade lar de Adrian, que me recebeu em sua casa pelos dias que estive em Puerto Madryn.

Importante cidade às portas da Península de Valdez, berçário de centenas de baleias francas e casa de colônias de lobos marinhos, orcas e golfinhos, possui um cenário composto por areia e vegetação baixa - árvores não conseguem desenvolver-se pela força dos constantes ventos que assolam o lugar. Há na cidade um pequeno e extremamente bem cuidado museu de história dos povos nativos e de ciências marinhas que possui um interessante exemplar de lula gigante. Próximo objetivo: Ushuaia.

Como era de se esperar, o caminho para o Fim do Mundo não podia ser curto, e demorei 3 dias para percorrê-lo. Com distintas caronas passei por cidades petroleiras como Comodoro Rivadavia e Caleta Olivia passando mais tarde uma noite em Fitz Roy, para mais tarde viajar por mais um dia completo até Rio Gallegos, onde passei uma incômoda noite na loja de conveniência de um posto, o que me foi conveniente, visto que aí pude encontrar alguén que me levasse a Rio Grande, a somente 200 km de Ushuaia. Entretanto a sorte não durou tanto.

Quando chegamos à fronteira chilena, o generoso caminhoneiro, marido de duas mulheres, teve problemas com os papéis - da carga e não dos casamentos - e teve que voltar a última cidade argentina antes da terra do fogo, deixando-me assim ali na fronteira para tentar a sorte. Com duas caronas mais cheguei ao anoitecer a Rio Grande, e já cansado e atrasado em 2 dias, tomei um ônibus até Ushuaia, chegando um pouco depois da meia noite à cidade mais austral do continente. Fui recebido desta vez por Valentin, um guia turístico morador da ilha. Novamente Couch Surfing me ajudou a conseguir abrigo nas congeladas terras do extremo sul, a somente 1000 km do continente antártico.

Um de meus mais grandes sonhos e objetivos finalmente cumprido, depois de vários anos, vários desafios, tristezas e felicidades, desde aquele inverno em 2007 quando saí das rodas de socialização forçada com nada mais que 130 reais no bolso. Por mais que Ushuaia seja o fim do mundo, não significa que para mim seja um fim, mas com certeza é um marco, uma vitória, uma prova, para mim mesmo, de que eu fui e sou capaz de realizar os loucos planos, inacreditados e repreendidos por toda uma sociedade, que nada mais eram do que sonhos infantis.

Falando agora de maneira prática e objetiva, foram 17 meses para chegar aqui, vividos de maneira completa. Toquei o fundo do mar, aprendi palavras em hebraico, caminhei sozinho por montanhas nevadas, acariciei tigres, fui tatuado por cerca de 8 horas consecutivas e vi o colorido do nascer e pôr-do-sol em diferentes latitudes. Vaguei por horas em estradas desertas tendo o horizonte como única companhia. Vi o céu mais estrelado já visto em uma noite no alto dos Andes e transformei o espanhol em meu idioma oficial. Toquei violão em bares da patagônia estragando músicas de Chico Buarque, Toquinho e Tom Jobim. Fiz amizades sinceras e para toda uma vida.

Entretanto nem tudo é lindo. Sou a causa de incontáveis lágrimas escorrendo pelos olhos de minha mãe, de noites despertas de meu pai. Encontrei o cachorro de minha infância ainda quente e de olhos abertos estirado imóvel no chão. Perdi as primeiras palavras e passos de meus sobrinhos que crescem velozmente e o que mais me doeu, despedi-me de minha última avó, que nos deixou em setembro do ano passado.

Porém o sonho ainda não acabou. Apenas vou deixar de ser do contra e vou enfim seguir para onde a bússola aponta e transformar em realidade o que trato de imaginar a cada noite. Escrevo neste momento de uma nevada Punta Arenas, capital da última região chilena, onde passei uma semana em companhia de novos velhos amigos, Anahi e Dusan, mas o que segue agora? Torres del Paine, Carretera Austral, Isla de Chiloé, Deserto do Atacama, Salar de Uyuni, Machu Picchu. Ver o sol se pôr sobre o mar do Pacífico, conhecer as praias do Caribe, ouvir um reggae na  Jamaica e dançar uma salsa em Cuba. Descobrir os segredos do holandês falado no Suriname e quem sabe conhecer a base de lançamento européia na Guiana Francesa. Ao contrário, o sonho está só começando e eu acabei de ser aprovado no primeiro semestre da universidade da vida.

E me encanta a ideia de não saber como tudo isso vai acabar.

Um grande abraço a todos,

Andejo.

5 comentários:

  1. já disse.. e repito: queria era estar junto! hehehe
    parabens... é bem isso: realizamos nossos sonhos, mas outros novos já nos preenchem a mente! e nos impulsionam em cada nova jornada....
    lindas fotos, lindos posts, enfim: tudo lindo meu amigo!
    Enquanto alguns estão ai pra criticar, a gente apenas VIVE! (largar tudo pra correr atras de sonho não é exclusividade sua né? meu q o diga hahahaha mas é exclusividade dos corajosos, determinados...loucos tambem vai.. temos sim essa pitada de loucura mas, acima de tudo, felizes!!!!)
    Saudades sempre
    Beijo mari

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  2. Meu Deus, quase nao dá pra acreditar!
    Cheguei atrasada nessa historia, mas agora
    entendi pq toda a ansiedade em chegar ao fim do mundo!E você conseguiu!e muito bem!
    Nao sei se tenho que te dar parabéns, dizer
    que você é louco, tudo ao mesmo tempo, ou simplesmente ficar quieta.Mas tenho certeza que ler esse blog é uma das melhores e mais provocantes coisas e que vou te "acompanhar" por varios fins!pq pelo visto voce nao pára mais! Muito boa sorte na caminhada, e muito obrigado por me mostrar oq ainda nao é e talvez nunca seja
    possivel ver com meus próprios olhos!
    Super beijo!
    (tive coragem ;P)

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  3. Quanto retornar ao seu lar, não entenderá o quê aconteceu com o mundo, achará que diminuiu muito, porque vc cresceu!
    buenas viajes.

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  4. É uma historia para ser contada aos seus filhos, por que seus parentes aki estão aki presentes testemunhando sua jornada, mas infelizmente sem poder te ajudar, sem passar o frio contigo, sem ter uma conversa franka pelos desertos q vc passo, é realmente incrivel. TE ADMIRO muito meu caro Augustos que digno nome o nome do inicio de nossa geração, espero algum dia me juntar a uma de suas aventuras, quando eu poder ter uma vida normal, mas espero um dia me libertar dela, pois detesto a ideia de me juntar as pessoas, trabalho e casa, e nos dias de folga dormir o dia todo, sem curtir a vida como vc curti, espero realmente um dia me juntar a uma de suas aventuras, e mesmo vc ñ me citando no seus escritos, eu te desejo BOA SORTE!E MEUS PARABENS!por uma vitoria,vc é um exemplo,um exemplo para pessoas como eu,mas meu irmão espero ansioso um dia ter uma aventura contigo, pra variar sua "solidão".

    ABRAÇOS IRMÃO AUGUSTOS!ATE BREVE!E SIGA EM PAZ!

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  5. Carlitos
    Continuamos felizes pela realização dos seus sonhos e desejamos que vc seja um homem realizado em todos os sentidos. Continue postando para viajarmos junto com vc.

    T.A.M. mãe e pai

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